quinta-feira, 29 de julho de 2010

A elaboração de peças didáticas a partir de textos de Ariano Suassuna

A elaboração de peças didáticas a partir de textos de Ariano Suassuna: abordagem brechtiana de elementos culturais do Nordeste do Brasil aplicados no teatro-educação.


Sergio Coelho Borges Farias

Universidade Federal da Bahia

Outubro 2007


Resumo

O trabalho reúne elementos da dramaturgia de Ariano Suassuna a procedimentos do teatro épico e didático de Bertolt Brecht, para composição de uma metodologia de ensino de teatro a ser aplicada junto a grupos de jovens em bairros periféricos de Salvador, Bahia, Brasil. A criação de peças didáticas a partir de cenas de peças de Suassuna tem como diretriz a abordagem de temas vinculados à vida dos jovens participantes, seja no que se refere a sua condição sócio-econômica, sua luta pela cidadania, seja no que se refere ao seu imaginário, à sua cultura e às suas questões específicas de adolescência e juventude. São adotadas as características básicas do teatro brechtiano, a narrativa, a crítica e a política, considerando o exercício cênico da peça didática como expressão da oralidade.

Da obra de Suassuna nos interessa captar o universo brasileiro dentro do imaginário ibérico-sertanejo. Lidar com as situações socio-culturais presentes nas cenas de seus textos teatrais foi a nossa forma escolhida para utilização de fontes populares na elaboração de um projeto artístico voltado para a promoção da educação para a autonomia através da vivência do teatro.

No que se refere à linguagem, valorizamos a obra de Suassuna pela recriação poética do Nordeste com textos do romanceiro popular, através dos quais o autor situa criativamente suas histórias no espaço amplo da literatura e da oralidade, tocando por meio do lúdico aqueles que participam das encenações de suas peças, seja no palco, seja na platéia.

Nesse sentido, o Sertão, locus de suas curiosas e inventivas histórias, aparece como metáfora do mundo, com temas universais e particulares das figuras compostas, algumas delas com características bem marcadas e recorrentes em várias de suas peças.

É visível nos textos de Suassuna o propósito de (aparente) simplicidade e de despojamento artesanal, superando a predominância dos enfoques psicológicos, muito presentes no teatro ocidental. Tais características tornam sua obra uma rica fonte de elementos para a criação de peças didáticas voltadas para oficinas de teatro com jovens moradores de bairros periféricos de Salvador.

Suassuna, no texto Genealogia Nobiliárquica do Teatro Brasileiro, publicado na Revista O Percevejo, da UNIRIO, refere-se aos dramaturgos que no Século XX romperam com o “caminho estreitamente realista”, citando W. B. Yeats: “Toda arte deve permanecer a uma certa distância da realidade e, uma vez escolhida, essa distância deve ser mantida com firmeza contra a pressão do mundo. Verso, ritual, música e dança, associados à ação, exigem que o gesto, a roupa, a expressão facial, a disposição cênica contribuam também para manter a porta fechada” (Yeats apud Suassuna, 2000, p. 104). Em seguida Suassuna diz que subscreve esse texto, defendendo também “o amaciamento pouco corajoso e pouco imaginoso de uma arte humana violenta como deve ser o teatro”. E continua: “É curioso, porém, que os dramaturgos europeus que empreenderam essas tentativas de reação tenham, todos, fugido a suas respectivas realidades nacionais, o que não deixa de ser um sinal de fraqueza”.

O autor ressalta a importância de “procurar na realidade cotidiana e nacional que nos cerca as sementes que podem germinar no palco criando a realidade, teatralmente mais eficaz, de um mundo povoado de seres monstruosos e sagrados, correspondentes à vida nacional e cotidiana mas não submetida a ela” . Ele prefere isso do que “criar no palco uma realidade mágica a partir de um teatro já transfigurado por outros poetas, ou de uma realidade antiga ou exótica”. Dessa forma Suassuna critica os autores que vão buscar na “antiguidade ou nos povos estranhos, uma realidade falsamente e facilmente poética” (Ibidem, p.103).

Assim Suassuna fundamenta suas criações de personagens-tipos (alguns deles arquetípicos, outros sugerindo caricaturas), todos eles nordestinos, enraizados, resultantes da mescla de culturas que compõem nossa tradição, para fazer um teatro brasileiro “peculiar”, um teatro que religa os dramaturgos, encenadores e atores “à corrente do sangue tradicional mediterrâneo, da qual somos herdeiros, na qualidade de povo ibérico, negro, judeu, vermelho e mourisco”. Segue-se longo trecho com tudo o que cabe no teatro brasileiro e que, inclusive, possibilita que um europeu, segundo Suassuna, chame o povo brasileiro de “exótico”. Em seguida Suassuna arremata: “quem passou por tudo isso tem de compreender que o teatro popular brasileiro – e o teatro erudito que começa a surgir ligado a ele – entronca numa nobiliarquia: a mesma que, na realidade, marca nosso povo, ao mesmo tempo fidalgo e popular, tradicional e peculiar, mediterrâneo e “exótico”, religioso e satírico, sangrento e cheio de gargalhadas, uma harmonia de contrários que pode exalta-lo, do simplesmente risível ao mais profundo cômico e humorístico, e do simplesmente dramático às fontes de violência do ritmo trágico” (Ibidem, p. 105). É esse o universo que busco atualmente trabalhar enquanto encenador e professor de teatro.

As peças didáticas de Brecht aparecem como referenciais técnico-metodológicos para nosso trabalho educativo, por possibilitarem o exercício, de maneira articulada, de todas as capacidades fundamentais do ser humano: o pensamento, as sensações, os sentimentos e a intuição.

Toda a obra de Brecht é marcada pela luta contra o capitalismo e contra o imperialismo. Todo o tempo há uma reflexão sobre a situação do homem num mundo dividido em classes; sua poesia denuncia não só a desumanidade das guerras como também a estreita ligação, nelas, entre a desgraça dos pobres e o constante aumento dos lucros dos ricos.

O seu olhar não é de mero espectador, mas de um homem que vai, por um lado, denunciar a opressão e, por outro lado, conscientizar esse público oprimido de que há como reverter a situação. Ele produz uma arte crítica e um teatro popular que ensina a pensar e praticar política, entendendo que o equilíbrio será o resultado da ação nesse sistema.

Brecht, de acordo com Peixoto,

altera de forma irreversível a função e o sentido social do teatro utilizando a arte, concebida como resultado de um processo de criação coletiva, como uma arma de conscientização e politização, destinada a ser sobretudo divertimento, mas de uma qualidade específica: quanto mais poético e artístico, mais momento de reflexão verdade, lucidez, espanto, crítica (1979, p.13).

O teatro épico e didático caracteriza-se, em Brecht, pelo cunho narrativo e descritivo cujo tema é apresentar os acontecimentos sociais em seu processo dialético, ou seja, o teatro de Brecht diverte e faz pensar. Não se limita a explicar o mundo, dispõe-se a modificá-lo. É um teatro que se situa, de certa forma na interface de ciência e arte.

A presença do narrador como recurso para o distanciamento contribui para o exercício da reflexão por parte não só do público mas também do ator, já que o narrador se coloca de fora da situação para apresentar a seqüência dos fatos e também comentários sobre eles.

Essa opção de Brecht por um teatro que apresenta características que formam uma tríade — é narrativo, crítico e político, contrapõe-se ao chamado teatro dramático. A construção de uma teoria de representação teatral fundamentada no distanciamento do ator, tem por objetivo deixar claro o caráter social e mutável do que é mostrado.

Um ponto importante da obra brechtiana é a visão teatral como um processo que se instaura contra a sociedade, no qual tudo deve servir de depoimento e documentação, deixando ao espectador o papel de juiz.

Brecht cria um teatro de ação social, voltado para mostrar que o homem tem a capacidade, o direito e o dever de transformar o mundo em que vive, mostrando que o destino desse homem deve ser sempre preparado por ele mesmo.

As peças didáticas – Lehrstücke, aplicadas por Brecht aos grupos de atores “eram compostas mais com o olho nos seus participantes do que na platéia e marcaram uma fase altamente interessante, embora controvertida na evolução do autor” (Ewen, 1991, p. 219-220).

A função das peças didáticas era fazer com que seus participantes fossem ativos e reflexivos ao mesmo tempo. O princípio que subjaz a essas tentativas era o de realizar sempre uma prática coletiva da arte, que tivesse também uma função instrutiva no tocante a certas idéias morais e políticas.

Koudela registra que “Brecht sente a necessidade de produzir arte distante da indústria cultural (...). Através desse tipo de peça, Brecht propõe a superação da separação entre atores e espectadores, através do Funktionswechsel (mudança de função), do teatro” (Koudela, 1996, p.13).

A peça didática durante um longo período foi considerada como uma parte menos importante da obra de Brecht. No entanto, alguns autores alemães começaram a pesquisá-la e a destacar a sua importância como proposta pedagógica inovadora.

A peça didática é diferente da peça épica de espetáculo, uma vez que esta última exige uma apurada arte de interpretação. Brecht assinala que “a principal função da peça didática é a educação dos participantes do ato artístico - Kunstakt .

Brecht destaca que o objetivo da peça didática está no processo de construção com o grupo, não na apresentação, tanto que ela nem necessitaria de público. A peça didática trabalha com dois principais instrumentos didáticos, com claros objetivos políticos, como ressalta Koudela abaixo:

Os instrumentos didáticos propostos por Brecht – “modelo de ação e estranhamento” – têm por objetivo a educação estético-política. A peça didática não é uma cópia da realidade, mas sim um ‘quadro’ (recorte), no sentido de representar uma metáfora da realidade social. (...) O caráter estético do experimento com a peça didática é um ‘pressuposto’ para os objetivos da aprendizagem. Resultam daí as conseqüências para a forma de atuação. Em oposição a um processo de identificação e/ou redução do texto da peça didática ao plano da experiência’ (...), o objetivo da aprendizagem ‘é unir a descrição da vida cotidiana à evocação da história’, sem reduzir um à outra, mas sim com vistas ao reconhecimento de características que são típicas e que podem ser identificadas em uma determinada situação social (Koudela, 1991, p.110).

O Brecht político, educador, organizador, atuou com vários jogos com a peça didática. Steinweg indica alguns pontos comuns dessas práticas que fazem com que o texto seja o detonador de processos que objetivem a reconquista de formas de expressão pelo participante, através das trocas de papéis, da imitação, da conscientização da realidade política, social, individual e coletiva.

Cada peça propõe um modelo de ação, ou seja, um texto que serve como moldura predeterminada e a partir do qual trechos de invenção própria e de tipo atual podem ser introduzidos, abrindo a oportunidade para a improvisação e para a re-elaboração do texto inicial.

Koudela nos diz que:

Ao mesmo tempo em que o texto (“modelo de ação”) é limitado, ele também é objeto da crítica – a poesia/literatura é apreendida de forma processual (ela não contém verdades em si mesma). (...) O texto é o móvel de ação, o pretexto e ponto de partida da imitação e crítica que são introduzidas na improvisação e discussão. O ‘modelo de ação’ propõe aos jogadores um caso social que não se relaciona necessariamente com a experiência pessoal de cada participante (...) O texto tem a função de desencadear o processo de discussão através da parábola (1991, p. 135-136).

Koudela ressalta, ainda, que alguns aspectos devem ser observados: a relação que é estabelecida no processo educacional com o cotidiano, a dissolução de hábitos de percepção, o trabalho com significados sociais que se manifestam corporalmente, o jogo de troca de papéis como meio para a identificação e estranhamento. (1991, p.137).

Nesse sentido:

O modelo da peça didática propõe, quando confrontado com outras didáticas tradicionais, um outro princípio de conhecimento. Seu objetivo não é a apresentação ou aprendizagem de um sentimento/ensinamento/moral, mas sim o exame coletivo de um recorte da realidade de vida dos participantes. Um experimento com a peça didática é, portanto, equivalente a um processo de investigação coletivo (Ibid, p.94).

Na peça didática, um princípios do teatro dramático, o da identificação do espectador com o personagem, é modificado. Nela, também se trabalha com o princípio da identificação, só que do participante (ator/jogador) com o personagem, à medida que o ator empresta seu corpo à atuação. Mas, existe uma diferença do

(...) conceito de identificação compreendido por Stanislavski, que pressupõe a figura imaginária do outro como totalidade e interioridade (...). Brecht dissolve os pressupostos para uma identificação de tipo stanislavskiano, ao renunciar à motivação interior e construir figuras planas em lugar de caracteres ‘redondos’. A participação do espectador na peça didática não significa, portanto, que ele vá se identificar com um caráter. A figura plana, liberta de características individuais, propõe modelos de atitudes fundamentais e típicas. A emoção e o sentimento são objetos do entendimento, à medida que passam a ser clarificados, mediante a análise das relações que os homens estabelecem entre si (Ibid, p.97).

Poderíamos dizer que Brecht propõe uma “compreensão do personagem” pelo ator, enquanto que Stanislavski propõe uma “entrega do ator” ao personagem.

Por isso,

(...) os modelos de ação propostos através da peças didáticas se diferenciam de textos teatrais tradicionais por seu valor de aprendizagem (...). Brecht enfatiza que o valor da aprendizagem na peça didática consiste no exame experimental das experiências sociais dos atuantes/jogadores. Com este objetivo, as peças didáticas são propositalmente abstratas e encerram significações que provocam a contradição. (...) Apesar de não lidar com problemas políticos imediatos, as peças didáticas são empreendimentos políticos. Como ponto de partida para os exercícios seriam inconvenientes textos estabelecidos à base de problemas ou situações históricas atuais. A partir de seu objetivo, que é favorecer um processo de conhecimento, as peças didáticas não podem examinar uma realidade específica na sua totalidade ou representá-la. Se as entendermos como simples modelos, como introdução a um processo real, já por essa razão elas devem ter, necessariamente, um certo grau de abstração (Ibid, p.98).

A visão dialética aparece em vários momentos na obra de Brecht, inclusive Augusto Boal classifica-o como um autor materialista-dialético (Boal, 1977). Um exemplo disso é a entrevista que Brecht deu a Pierre Abraham, onde ele faz entender que suas peças didáticas não se propunham a fazer julgamentos do que é bem ou mal, mas sim “propunham exercícios de agilidade, destinados àquele tipo de atletas do espírito como devem ser os bons dialéticos”. (Brecht apud Koudela, 1991, p. 66).

Outro aspecto relevante é a questão do lúdico, do divertido na educação, que Brecht defende dizendo que “se não houvesse essa possibilidade de aprender divertindo-se, o teatro por sua própria estrutura, não estaria em condições e ensinar”. (Becht, 1974, p.57).

Com essas palavras o autor, passa, de certa maneira, pela discussão relativa ao desencantamento do mundo moderno5, contrário à proscrição do riso, do divertimento e da ludicidade. Proscrições essas que também estiveram e estão presentes em diversas correntes marxistas.

Já o estranhamento (Verfremdung)[1], um dos principais conceitos de Brecht, surgiu durante o período de experiências com a peça didática. “Estranhar significa historicizar, representar processos e pessoas como históricos, portanto transitórios”. (Brecht, 1974, p.135).

Esse processo permite compreender as relações entre os homens como mutáveis e passíveis de serem modificadas, sendo um princípio de teatro útil, uma vez que vários autores costumam destacar a dimensão histórica como essencial na práxis pedagógica.

Para Boal (1977), Brecht não negaria a emoção, entrementes, em alguns dos seus escritos ele aparenta pensar o par razão/emoção de maneira dicotômica, com uma visão contraria à de Morin, para quem ambos os elementos são inseparáveis e, portanto, não existiria uma técnica que possa eliminar a emoção do processo de recepção estética e tampouco essa eliminação é desejável. Tal pensamento dicotômico de Brecht pode ser identificado na citação abaixo:

(...) as peças e a forma de interpretação precisam transformar o espectador em homem de estado, por isso não devem apelar para o sentimento do espectador, o que lhe permitiria reagir esteticamente, mas sim para a sua razão. Os atores devem estranhar personagens e processos para o espectador, de forma que chamem a sua atenção. O espectador precisa tomar partido em vez de se identificar (Brecht apud Koudela, 1991, p.13).

Exatamente pelas críticas ao efeito de identificação, de cunho emocional, existente no teatro clássico, Brecht não reconhece nenhum efeito pedagógico que possa ser originário do ato de assistir espetáculos dessa dramaturgia (Koudela, 1991).

Em contraposição ao efeito de identificação (ou catarse), Brecht propõe o estranhamento, e para atingí-lo ele utiliza os V-Effekte (efeitos de estranhamento), efeitos que foram resgatados de outras tradições teatrais (Barroco, Idade Média, tradições orientais, etc). Entre eles destacam-se:

  • A relação do ator com o público, que deve ser a mais direta possível;
  • A consciência do jogo de cena como citação, que possibilita que o ator, em lugar do simples desempenho do papel, possa colocar-se ao lado do papel, apontando para ele;
  • A fixação do Não/Porém, que busca evidenciar as contradições “e mostrar que a decisão por uma ação determinada significa também uma decisão tomada em detrimento de outras ações” (Koudela, 1991, p.113), “pretendendo evitar que aquilo que é mostrado como ação e acontecimento seja apresentado como necessário, sem alternativa” (ibid.).
  • Cena de Julgamento: onde o ato teatral se transforma em sala de julgamento em que o público pode participar.
  • Canções: utilizadas separadamente na ação dramática, como comentário ou crítica.
  • Jogo da Troca de Papéis: desenvolve a capacidade de estar ao mesmo tempo dentro e fora do papel e ser, portanto, capaz de “apontar” para o papel representado.

Particularmente, o exercício da troca de papéis seria um excelente e enriquecedor exercício dialético de colocar-se do ‘outro lado’, “à medida em que obriga cada jogador a situar-se de uma nova forma e compreender/articular também o ponto de vista oposto”.(KOUDELA, 1991, p.89).

Outro conceito fundamental para Brecht é o de gestus social. Sua fundamentação se baseia no princípio de que “assim como (determinados) estados de espírito e cadeias de pensamentos levam a atitudes e gestos, também atitudes e gestos levam a estados de espírito e cadeias de pensamentos” (Brecht apud Koudela, 1991, p.19), ou seja, existe uma reversibilidade entre gesto e atitude. Ele indica que são os processos teatrais que formam o caráter, no sentido do aprendizado infantil pela imitação e pelo jogo.

Ingrid Koudela nos explica o conceito de gestus social para Brecht: da seguinte forma:

Gestos, no significado corrente, são gesticulações que acompanham a fala, através de movimentos expressivos. Os gestos tornam visível, corporalmente, aquilo que aparece apenas ‘interiormente’, intelectualmente, através da linguagem verbal. Os gestos objetivam posicionamentos internos, exteriorizando-os (...). Brecht não compreende o gesto nos termos do significado corrente - como ’expressão corporal’ de sentimentos e idéias. Ele inverte o conceito: Gestos são a expressão do comportamento real, de atitudes reais. Não é o ‘interior’ que se objetiva para o ‘exterior’. O interior é orientado pelo exterior, torna-se o seu gestus. Com isso, o gestus se desprende do domínio subjetivo e transporta sua significação para o domínio intersubjetivo: se as atitudes reais e o comportamento real determinam o comportamento intelectual, subjetivo e interior, então aquilo que é determinante se origina na convivência social dos homens, na intersubjetividade da vida social e da linguagem (Koudela, 1991, p.101-102).

Como proposta revolucionária e transformadora a idéia de Brecht era tornar inteligível e consciente o gestus social, a partir da execução prática desses gestos. Essa tomada de consciência levaria à modificação de atitudes. E atitude, para o autor:

(...) é uma forma determinada através da qual alguém (ou um grupo) se confronta com o ambiente social, Os modelos de comportamento que cada pessoa forma individualmente, assim como a maneira da imitação (que é desenvolvida desde a infância), são o resultado de uma cultura determinada pela classe social, sexo, língua, articulação etc. (Ibid., p.102).

Ou seja, em nosso entendimento, a tomada de consciência do gestus social (do personagem e de seu relacionamento com o gestus do ator) corresponde à tomada de consciência da determinação social sofrida, para que se possa, através da transformação do gestus social no teatro, transformar o indivíduo e transformar a sociedade.

Entretanto, é necessário ter cuidado com o pensamento marxista de Brecht, que projeta todo o saber e o poder para o coletivo, representado pelo Estado, o que o tornaria uma instituição ainda mais dominadora e repressora dos indivíduos do que já é na sociedade capitalista moderna, e acabaria por intensificar a regulação das alternativas emancipatórias e das subjetividades distintas do pensamento hegemônico.

Exemplos desse pensamento supervalorizador do coletivo em detrimento do individual pode ser visto nos seus ”Esclarecimentos para o Vôo sobre o Oceano”, em que ele diz que: “de acordo com os fundamentos: o Estado deve ser rico, o homem deve ser pobre, o Estado tem o dever de poder muito, ao homem pouco é permitido”. (Brecht apud Koudela, 1991, p.47).

Em relação à determinação social, apesar de considerar dialeticamente a relação entre estrutura e ação (ou infra-estrutura e superestrutura)[2], Brecht, devido ao pensamento científico cartesiano de sua época, imagina que no Estado socialista a influência de cada um dos elementos desse par poderá ser determinada e a infra-estrutura e a superestrutura se tornariam uma unidade.

Coerente com o pensamento de seu tempo, Brecht manifesta, algumas vezes, uma visão linear de evolução histórica e de crença no progresso enquanto dominação da natureza. Tal visão pode ser apreendida em sua peça didática “Vôo de Lindbergh”, onde ele interpreta a primeira travessia do Atlântico em um avião, como um trabalho coletivo da humanidade que, com a ajuda dessa invenção, se ergue sobre o domínio da natureza.

Nos comentários de embasamento para sua peça, ele

(...) propõe a reflexão sobre o fato de haver-se iniciado um ‘novo tempo’ que possibilitará, através do domínio do homem sobre a natureza, uma nova produtividade para o bem do homem. Esse procedimento é entendido como um processo no qual cada fase nova supera aquilo que já foi alcançado e o torna reconhecível como etapa, na luta contra o ‘primitivo’. (...) A consciência se modifica ao compreender as forças da natureza como domínio sobre o social, como limitação para a produtividade: nesse sentido, voar é igual a um ateísmo prático, auto-afirmação da humanidade contra as limitações para suas possibilidades. (Ibid. p. 46).

Brecht busca, com essa peça, a libertação do homem, não no sentido individual, mas na “liberdade que o coletivo atinge no crescente domínio sobre a natureza e no aumento das possibilidades de produção para a sociedade como um todo”. (Ibid. p. 49)

A peça “Vôo de Lindbergh” não deve ser lida isoladamente, pois, posteriormente, na “Peça Didática sobre o Acordo”, Brecht parece fazer uma autocrítica à sua crença ingênua no progresso técnico, pois indica que o progresso técnico não trouxe desenvolvimento social (Ibid.). No entanto, a visão de mundo em que o homem tem que dominar a natureza permanece, ainda que somente esta relação não seja suficiente para alcançar a sociedade desejada.

Para Koudela, toda a obra de Brecht, não deve ser visto como acabada, pelo contrário, ela deve ser reconhecida na sua incompletude, orientação com a qual concordamos até porque, como diria Paulo Freire devemos ter consciência do inacabamento do ser humano (FREIRE, 1997). Koudela explicita isso quando mostra que muitas das peças de Brecht trazem uma tese, mas que a próxima peça escrita traz uma antítese, novamente clarificando a proposta dialética do autor.

Outro dado interessante, é que Brecht nos fala da experiência (Erlebnis) como tudo o que ocorre em nossas vidas, mas que muitas vezes não significa nada, ou seja, não causa nenhum aprendizado. A atenção dispersa, os preconceitos, a falta de percepção, podem nos impedir de absorver algo da experiência. Já o experimento (Experiment) é quando a experiência é percebida, quando entram elementos de comentário, quando se reflete sobre a experiência. Na visão de Koudela (1991), ela faz uma crítica ao princípio do learning by doing[3], que se limita a expor o aluno a uma situação de aprendizagem, sem que haja uma problematização do objeto da aprendizagem.

No conceito de experimento, segundo Brecht, é importante aquilo que ocorre em nossas vidas e que significa algo, e essa significação ocorre no plano do consciente e racional,

4.4 A Prática Pedagógica

A importância do Teatro para o processo de transmissão do conhecimento é assunto batido ao longo da história da humanidade. Na Grécia, Sócrates reconheceu que o conhecimento maior é “conhecer a si mesmo” e Aristóteles em sua Poética, afirmou que “o maior dos prazeres é aprender”.

No século XIX, o romantismo alemão fez da arte um instrumento da formação do indivíduo, juntando a construção do caráter com o conhecimento do mundo. Alguns estudiosos entendem a arte como forma de educação do espírito e da sociabilidade, pois criar pressupõe também se descobrir e acima de tudo ver-se como um ser criador, como sujeito capaz de agir ativamente na realidade social.

Para, Japiassu, “os estudos na linha de pesquisa denominada Teatro-Educação exigem familiaridade com o vocabulário e saberes de dois extensos e complexos campos do conhecimento humano: o Teatro e a Educação”. Conforme o autor, o ensino do Teatro na educação escolar básica no Brasil, foi implantado de maneira formal, há cerca de trinta anos, e faziam parte dos conteúdos da matéria Educação Artística, criada pela Lei 5692/71. Porém, para este autor

somente a partir da década de setenta incrementaram-se os estudos e investigações a respeito das inter-relações entre Teatro e Educação, no país, especialmente com a formação do grupo paulista de pesquisadores nesta área, numa iniciativa da Profª Drª Ingrid Dormien Koudela da Escola de Comunicação e Artes da Universidade do Estado de São Paulo. (1998)

Em relação ao Teatro como prática inserida na categoria Arte-Educação observa-se que sua sistematização, apesar dos referenciais históricos, só se consubstanciou, na década de 1990, com as atividades desenvolvidas na ECA/USP, mediante linha de pesquisa voltada para as abordagens da pedagogia teatral, embasadas nas idéias pioneiras de Viola Spolin que, em seu estudo Improvisação para o teatro, propõe uma metodologia por meio de jogos teatrais. A sistematização da proposta de Spolin se concretizou por intermédio de Koudela que recorrendo a pesquisas sobre a teoria da peça didática de Bertolt Brecht, resgata a proeminência da pedagogia político-estética desse autor como arcabouço teórico no incremento de práticas pedagógicas cênicas de caráter lúdico.

Koudela levanta um questionamento que ainda hoje se debate em algumas instituições voltadas para o ensino, que é a definição do binômio Teatro e/ou Educação. Acerca do tema ela faz a seguinte indagação:

Até que ponto o orientador de um grupo de crianças ou adolescentes deve encaminhar o trabalho para o lado artístico ou até que ponto o ensino artístico é de menor importância, considerando-se que está lidando em primeiro lugar com uma atividade de caráter formativo? (1984, p.17)

Para Eisner apud Koudela, a abordagem mais difundida na história da arte-educacional é a “contextualista”, onde a partir das necessidades particulares dos estudantes ou da sociedade é que são formulados os objetivos. Inserida nessa abordagem contextualista, podem-se ressaltar nos seus objetivos as necessidades psicológicas e/ ou sociais das crianças.

Ainda segundo Koudela, Eisner coloca em oposição a esse tipo de orientação, a abordagem essencialista da educação artística, pois esta considera que a arte tem apenas uma única contribuição a dar para a experiência e a cultura humanas; o que não acontece com outros campos de estudos onde há múltiplas contribuições. Por isso Eisner pondera que

Argumentar que a justificativa para a arte-educação reside nas contribuições que pode dar para a utilização do lazer, que auxilia o desenvolvimento da coordenação motora da criança pequena, que fornece liberação de emoções é algo que pode ser realizado por uma série de outros campos de estudo da mesma forma. O valor primeiro da arte reside, a meu ver, na contribuição única que traz para a experiência individual e para a compreensão do homem. As artes visuais lidam com um aspecto da consciência humana a que nenhum outro campo se refere: a contemplação estética da forma visual. As outras artes lidam com outras modalidades sensoriais diferentes, enquanto a ciência e as artes práticas têm outros objetivos. (Apud Koudela, 1984 p. 18)

Koudela também registra que:

A concepção predominante em Teatro-Educação vê a criança como um organismo em desenvolvimento, cujas potencialidades se realizam desde que seja permitido a ela o desenvolver-se em um ambiente aberto à experiência. O Objetivo é a livre expressão da imaginação criativa. No teatro tradicional, o teatro tinha apenas a função de preparar o espetáculo, não cuidando de formar o indivíduo. (1984, p.18)

Viola Spolin, conforme Japiassu (1998) foi quem sistematizou a proposta para o ensino de teatro, através dos jogos teatrais, e que ela durante algumas décadas realizou pesquisas junto a crianças, pré-adolescentes, adolescentes, jovens, adultos e idosos,

utlizando a estrutura do jogo com regras (grifo do autor) como base para o treinamento de teatro (...) que resultaram no oferecimento de um detalhado programa de oficina de trabalho com a linguagem teatral destinado a escolas, centros comunitários, grupos amadores e companhias teatrais. (Ibid.).

Ainda segundo Japiassu (1998) além de serem procedimentos lúdicos, os jogos teatrais têm regras explícitas. Para o autor, a “palavra teatro tem sua origem no vocábulo grego theatron que significa ‘local de onde se vê’ (platéia). A palavra drama, também oriunda da língua grega, quer dizer ‘eu faço, eu luto’. No jogo dramático entre sujeitos (Faz-de-conta) todos são ‘fazedores’ da situação imaginária, todos são ‘atores’”.

Na passagem que se dá entre o jogo dramático e o jogo teatral, o desenvolvimento do processo intelectual da criança, é vista por Koudela como "uma transição muito gradativa, que envolve o problema de tornar manifesto o gesto espontâneo e depois levar a criança à decodificação do seu significado, até que ela o utilize conscientemente, para estabelecer o processo de comunicação com a platéia”. (1992, p. 45).

Japiassu, afirma que:

conhecer mais as relações e inter-relações entre jogo dramático, jogos teatrais, aprendizado e desenvolvimento deve contribuir para a construção de saberes sobre as possibilidades de interação entre Teatro e Educação. A investigação de pré-adolescentes em situações de jogo teatral possibilita a coleta de informações relevantes para a compreensão do papel do Teatro no desenvolvimento cultural do ser humano e fornece pistas importantes para a implementação de projetos pedagógicos escolares que pretendam demarcar o espaço das artes em seus componentes curriculares, valorizando-as como formas superiores de ação e funcionamento mental humanas. (1998).

Também de acordo com Koudela "o jogo é uma das peças mais importantes para a solução de problemas de ordem pedagógica, devendo ser elevado à categoria de fundamento de métodos educacionais" (1991, p. 21),

O Jogo Teatral está dividido em três seções: A, B, e C. Koudela define que a seção A é composta de uma seleção onde estão presentes jogos teatrais e jogos tradicionais. Nessa seção há um material básico que pode ser oriundo da seqüência e apresentado com objetivos específicos determinados. A seção B é resulta dos Jogos Teatrais acrescidos de uma estrutura dramática: Onde (Lugar e/ou Ambiente), Quem (personagem e/ou relação) e O Que (atividade). Já a seção C apresenta uma seleção adicional de Jogos Teatrais.

Para Spolin (apud Koudela) a evolução do jogo se dá à medida que o participante vai estabelecendo uma relação de envolvimento com o jogo e ao mesmo tempo desenvolve uma liberdade pessoal — desde que dentro dos limites das regras estabelecidas —, ao mesmo tempo em que cria técnicas e habilidades pessoais necessárias ao jogo. Spolin estabelece, inclusive, uma diferença entre jogo dramático e jogo teatral.

Como o adulto, a criança gasta muitas horas do dia fazendo jogo dramático subjetivo. Ao passo que a versão adulta consiste usualmente em contar estórias, devaneios, tecer considerações, identificar-se com as personagens da TV etc., a criança tem, além destes, o faz-de-conta onde dramatiza personagens e fatos de suas experiências, desde cowboys até pais e professores. Ao separar o jogo dramático da realidade teatral e, num segundo momento, fundindo o jogo com a realidade do teatro, o jovem ator aprende a diferença entre fingimento (ilusão) e realidade, no reino de seu próprio mundo. Contudo, essa separação não está implícita no jogo dramático, e o mundo real freqüentemente são confusos para o jovem e — ai de nós — para muitos adultos também. (SPOLIN, 2001, p.17)

Segundo Koudela (2001), os jogos são baseados em problemas a serem resolvidos. E esses problemas estabelecem o objetivo e o foco. O objetivo é o que esperamos atingir com determinado jogo. O foco é um ponto ou um aspecto externo, onde o jogador deve manter a atenção. Um exemplo dessa situação é a do jogo de bola, onde o jogador mantém seu olho na bola em movimento e tudo o que acontece no campo é em função dela. O foco garante o envolvimento de todos os participantes em cada momento durante o processo do jogo.

Para que todos observem o novo centro que está fora deles, a regra desempenha papel de suma importância para o bom desenvolvimento do jogo. Como também a instrução que é o elo entre instrutor/professor e os jogadores, ela é dada durante o jogo, encorajando o jogador a manter o olhar no foco, enfrentando os desafios propostos.

Os jogos teatrais, com sua estrutura (Onde, Quem e O que), podem modificar o ambiente em sala de aula, deixando de ser um ambiente de medo e insegurança, para tornar-se um ambiente da liberdade de expressão.

Como indivíduos, somos isolados uns dos outros, cheios de limitações,

medos, tensões, competitividade, preconceitos e atitudes preconcebidas. Se a nossa abertura for mais do que apenas uma esperança, um sentimento, uma palavra, então certas condições deverão ser atendidas. A primeira delas poderíamos chamar de mutualidade ou confiança. (SPOLIN, 2001, p.17-18)

Juntando-se essas duas importantes declarações, pode-se concluir que hoje a concepção predominante sobre os jogos teatrais, é a de ver o ser humano como um organismo em desenvolvimento, cujas potencialidades se realizam desde que lhe seja permitido desenvolver-se em ambiente aberto a experiências. Os jogos teatrais preocupam-se em aflorar as atividades espontâneas, as atitudes instintivas e impulsivas do ser humano, e tem como objetivo libertar a criatividade, fornecendo um ambiente propiciador à iniciativa.

Em contrapartida, ainda existe uma certa resistência em aliar-se o teatro à aprendizagem formal, e um aspecto que pode determinar essa pseudo-interpretação no ensino do teatro, é um certo entendimento de que o teatro que se faz no espaço educativo não pode ser confundido com o teatro dito profissional. Mas será que nas outras disciplinas chega-se a formular tal questão? Ensina-se história sem a preocupação com a atividade profissional do historiador. Ao se confundir e separar o teatro como atividade artística da atividade teatral na escola, terminou-se por desvalorizar e descaracterizar o teatro como linguagem expressiva de grande importância.

Num artigo publicado por Raimundo Matos Leão[4] ele diz que

Se pretendemos que os educandos digam alguma coisa através da expressão dramática, devemos, necessariamente, ensinar-lhes o teatro. Teatro situado no tempo e no espaço, teatro como pesquisa e invenção, teatro dialogando com a contemporaneidade. (LEÃO,s/d, PG.136)

Ainda segundo Leão, a produção teatral está aliada a um conhecimento específico, mas “também envolve o pensamento lógico, mas não se restringe a ele. Tanto o jogo dramático como as formas mais elaboradas da representação cênica podem ser trabalhadas nas propostas educativas, valorizando-se o conhecimento específico que acontece no próprio fazer”. Reflexão e prática estão intrinsecamente associadas e para Leão, elas

possibilitam ações de experimentação, seleção, descobertas, comparação, combinação e acumulação. No trabalho teatral estão embutidas também ações transformadoras e, sobretudo, a capacidade de se fazer analogias e criar metáforas.(LEÂO, s/d, p.136)

O conhecimento teatral aproxima o onírico, o imaginário, a fantasia. Através dele há possibilidades de tornar real o que é irreal. “É trabalhar os sentidos, as sensações, a percepção, as relações, a relatividade, o imponderável e o acaso nos seus mecanismos”, conforme aponta Leão. E ainda na opinião do autor

Apreciar e fazer teatro é articular estas aquisições com o método, a intenção, a organização; é fazer com que o pensamento se lance para além de categorias lógicas e lineares, para se chegar a um conhecimento que é crescimento e criação. (LEÃO, s/d, p. 136)

O ensino do teatro possibilita um diálogo com a sua história e estabelece a possibilidade de poder relacionar esse diálogo com a produção elaborada pelos próprios alunos. Ainda para Leão,.

é “pensar teatralmente”, facilitando para o educando a apreensão dos conteúdos. É desenvolver projetos através de processos, que levem a novos projetos, estimulando o aluno a desenvolver suas habilidades e suas capacidades cognitivas. É poder avaliar, respeitando-se as diferenças, considerando-se os critérios determinados pela própria linguagem do teatro. (LEÃO, s/d, p. 136)

Os valores que se espera vão sendo adquiridos através dos jogos teatrais. A experiência em pensar criativa e independentemente, o desenvolvimento da imaginação e da iniciativa e o aumento da sensibilidade para os relacionamentos pessoais são possibilitados pelos jogos teatrais que têm sua fundamentação na arte e na educação.

Eles são fundamentados em jogos de regras e de salão, em que o objetivo é solucionar problemas e, de forma artística, tornar real o imaginário. É importante observar que os jogos teatrais têm muita semelhança filosófica com os jogos cooperativos, já que também trabalham a equipe, o grupo, procurando eliminar a competição. Na verdade as regras são para que os times solucionem problemas juntos.

Os principais pontos identificados nos jogos teatrais são: a espontaneidade, o foco e o jogo de mostrar e contar. Falando sobre espontaneidade, a partir do momento que os alunos-jogadores, como são chamados, estipulam um jogo de regras, este é visto como um jogo de liberdade.

A espontaneidade é também, o fato de integração, juntamente com o foco e o comprometimento, que permite a eliminação da falsidade. Numa caricatura, o jogador pode "contar" o que está se passando, mas só com o envolvimento e o comprometimento ele será capaz de "mostrar", isto é, fazer com que a platéia acredite e até sinta o que o personagem sente ou sugere que esteja acontecendo. O foco é um dos aspectos mais interessantes dos jogos teatrais, porque é ele que elimina o devaneio durante a atividade; ele objetiva onde se quer chegar.

Dramatizando situações da realidade, a criança descobre o mundo mais facilmente, passando a observá-lo de uma forma mais consciente e crítica e, em conseqüência disso, começa a questioná-lo e a tentar transformá-lo. Entretanto é preciso deixar claro que há diferenças entre jogos teatrais e teatro. Leenhardt (1973) aponta como principais os seguintes pontos:

JOGO DRAMÁTICO

TEATRO TRADICIONAL

1. Projeto oral suscetível e variável

1. Peça escrita - texto

2. Papéis escolhidos pelos jogadores

2. Papéis impostos pelo encenador

3. Ações e propósitos improvisados

3. Texto aprendido pelos atores

4. Pode não ser conseguido se o tema (ou outro fator) não permitir as crianças jogarem

4. A peça deve se desenvolver em todas as etapas previstas

5. Todos em situação de jogo

5. Atores em situação de trabalho

6. Crianças experimentando-se nos papéis

6. Adultos que, por vezes, realizam-se nos papéis

7. Crianças jogam o fingir que se é

7. Atores fazem parecer

8. Expressão

8. Representação

9. Recriação de situações com desejo de se experimentar nelas

9. Criações de situações imaginadas por um autor

10. Realização do projeto que motivou o grupo

10. Espetáculo

11. Engajamento total da criança (ela não está dividida)

11. Engajamento do ator (?)

12. Jogo (prazer)

12. Trabalho

De todo modo, o teatro na Escola aponta uma nova forma de saber, desinibe, fortalece a idéia de cidadania participativa e colaboradora. Aplicando as atividades de expressão o professor obtém sempre bons resultados e, sobretudo sente grande prazer em acompanhar seus alunos nas descobertas de si próprios, do outro e do mundo que os rodeia.

Quando o trabalho causa prazer, pode-se dizer que é fácil, que é simples realizá-lo. As atividades de expressão são jogos dramáticos, musicais ou práticos que dão ao aluno um meio de exteriorizar, pelo movimento e pela voz, seus sentimentos mais profundos e suas observações pessoais. O objetivo básico das atividades é ampliar e orientar as possibilidades de expressão do aluno.

O modo como cada um aborda e resolve estas dificuldades revela ao educador as tendências e a personalidade do aluno. No decorrer das atividades, o professor poderá distinguir, com facilidade, os superficiais, os espontâneos, os contraídos, os oprimidos, os opressores, enfim uma gama de tipos humanos característicos.

No processo do jogo teatral há uma intenção de efetivar a passagem do jogo dramático (subjetivo) para a realidade objetiva do palco. Koudela diz que “este não constitui uma extensão da vida, mas a sua própria realidade”. Nessa passagem do jogo dramático, jogo do faz-de-conta, para o jogo teatral pode-se estabelecer uma comparação com a transformação do simbólico, do subjetivo em um jogo de regras. “essa oposição à assimilação pura da realidade ao eu, o jogo teatral propõe um esforço de acomodação através da solução de problemas de atuação” (Koudela, 1984, p. 44).

Para que as personalidades se revelem naturalmente, é necessário que o educador ofereça atividades num clima de ampla liberdade e respeite as idéias e manifestações do aluno, pois a primeira e talvez única lei na educação pela arte é a liberdade.

Ao propor atividades, é importante garantir o caráter lúdico do jogo teatral – sem o lado prazeroso, o jogo perde o sentido coletivo de comunhão, inerente a ele. Faz parte do ritual de qualquer jogo o momento de repartir a alegria e os prazeres dos participantes: de uma simples risada, passando pelos aplausos de uma platéia em delírio, pelos brados de “bravo!”, ou, radicalmente, pelo êxtase do gol vitorioso do seu time de futebol. O prazer é fundamental.

Somente com esse elemento garantido e assegurado em sua prática teatral o aluno conseguirá romper preconceitos e bloqueios – se houver – com relação a essa arte, e conseguir, de fato, construir sua formação artística e estética.

O caráter coletivo da prática teatral ajuda a conquistar e fortalecer a identidade de um grupo. Inserir o aluno jovem e adulto no jogo teatral amplia sua capacidade de comunhão, reflexão, descoberta, diálogo e negociação.

Assim, renovam-se suas idéias sobre a vida, atitudes, sentimentos e, conseqüentemente, favorecendo sua inserção no mundo e sua compreensão da sociedade em que vive.

Em outras palavras: transforma sua auto-estima, que é revalorizada e estimulada no jogo lúdico e atua como elemento catalisador do aprendizado. O seu saber adquirido na vida, além de valorizado, é objeto de estudo, aprimorado em cada cena, em cada exercício prático, em cada ação ou reflexão de apreciação realizada pelo grupo.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais enfatizam o ensino e a aprendizagem de conteúdos que colaborem para a formação do cidadão, propiciando ao aluno a aquisição de conhecimentos que lhe permitam situar a produção de arte como objeto sócio-histórico, contextualizado nas culturas.

Para a seleção e a organização de conteúdos de Arte foram estabelecidos critérios que, no conjunto, procuram promover a formação artística e estética do aluno e a sua participação na sociedade.

Com relação aos conteúdos, orienta-se o ensino da área de modo que acolha a diversidade do repertório cultural que o aluno traz para a escola, trabalhe com os produtos da comunidade em que a escola está inserida e também que se introduzam conteúdos das diversas culturas e épocas, a partir de critérios de seleção adequados à participação do estudante na sociedade como cidadão informado, crítico e autônomo.



[1] O termo Verfremdung é também traduzido para o português como distanciamento, mas Koudela considera mais apropriado utilizar o termo estranhamento.

[2] Considerando como infra-estrutura as instituições e as formas de organização do Estado, e como superestrutura as ideologias e a cultura.

[3] Ao pé da letra, aprendendo a fazer.

[4] Em <>