sábado, 20 de março de 2010

O Domínio Afetivo no processo ensino-aprendizagem em Teatro

Artigo de Juliane

O Domínio Afetivo no processo ensino-aprendizagem em Teatro


Pretende-se propiciar neste artigo, um espaço para algumas reflexões, sobre o domínio afetivo no processo ensino-aprendizagem em Teatro, tecendo-se considerações a cerca do papel do vínculo afetivo nessa relação.

Na visão de Piaget, o desenvolvimento intelectual é considerado como tendo dois componentes: um cognitivo e outro afetivo. Afeto inclui sentimentos, interesses, desejos, tendências, valores e emoções em geral. O afeto apresenta varias dimensões, incluindo sentimentos subjetivos (amor, raiva, depressão) e aspectos expressivos (sorrisos, gritos, lágrimas). Para alguns autores são dois aspectos do afeto que indicam sua necessidade no processo cognitivo:
1)motivação ou energização da atividade intelectual;
“Para uma estrutura de conhecimento funcionar, algo deve acioná-la, originar o esforço a ser desenvolvido a cada momento e desliga-la” “(WADSWORTH: __________ in aput Brown & Weiss: 1987);
2) seleção, a atividade intelectual é sempre dirigida para objetos ou eventos particulares (interesse).
“O aspecto afetivo pode acelerar ou diminuir o ritmo do desenvolvimento e pode determinar sobre que conteúdos a atividade intelectual se concentrará”. (WADSWORTH:__________ in aput Brown & Weiss:1987).
Fica clara a relação entre a afetividade e o desenvolvimento cognitivo, confirmando que o pensar e o sentir estão intimamente ligados.

Partindo deste ponto, pode-se afirmar que o vínculo afetivo quando presente torna diferente a relação do sujeito com o aprender, propicia-lhe a oportunidade de ser visto com competências e olhado com possibilidades e respeito. Se a escola é uma instituição criada no sentido de auxiliar no desenvolvimento integral do individuo ela deve estar atenta a este aspecto. E pensar neste indivíduo de forma integral.
Assim, o Domínio Afetivo do processo ensino-aprendizagem em Teatro deve ser observado atentamente pelo educador no sentido de situar-se e ajudar o aluno a situar-se no processo educativo. De modo que ambos possam construir a partir de uma filosofia nas relações de ensino-aprendizagem uma visão de mundo única para cada sujeito no processo: professor e aluno.

A Arte por si só já tem especificidades que a fazem ser o veiculo ideal para o desenvolvimento da afetividade. Acredita-se que surge nos primórdios como um poder de magia, e que o homem, expressando-se por meio desta, sente-se mais forte em relação ao meio. Com o desenvolvimento das civilizações, a arte assume outras funções, podendo ser exercida junto a outras atividades como a religião, a política e a educação, mas sem perder as suas especificações.

A Arte, o fazer artístico, é um modo especifico de manifestação da atividade criativa dos seres humanos, ao interagirem com o mundo em que vivem, ao se conhecerem e ao conhecerem o mundo. Deste modo, o homem, ao fazer arte, desenvolve suas capacidades cognoscitivas, sendo esta habilidade específica, e interage através de suas percepções e emoções com o mundo que o rodeia; a arte possibilita ao homem adquirir conhecimentos, desenvolver sua potencialidade criativa e o torna capaz de questionar e transformar a sua realidade.

Desde o nascimento, o homem convive em uma sociedade que traz uma história de produções culturais passadas e busca a sua própria identidade estética. Este “fazer humano”, que é a arte, é resultante das interações e reações do homem com os valores, com os conceitos e com o contexto sócio-politico-econômico de sua época; o artista expressa-se através de formas criativas, as quais não são passiveis de uma tradução para a linguagem conceitual, pois a arte esta mais ligada ao intuir e ao sentir, do que ao simbolizar. Na obra de arte, o artista exterioriza sua visão de mundo, através de uma experiência estética, de uma forma original e subjetiva, onde processo e produto fazem parte indissociável da obra.

A operação artística é um processo de invenção e produção, porém possui modos específicos, uma formatividade específica, onde é um fim em si mesma como atividade, e envolve o ser como um todo. Muitas outras atividades utilizam a arte como um meio para alcançar determinados fins, sem que uma sobrepuje a outra, mas estas devem propiciar que a arte alcance seu próprio fim , exercendo-se dentro de ou através de outras atividades, aonde processo e produto artísticos estão presentes, e só através destes caracteriza-se a formatividade artística, transparecendo o caráter pessoal e espiritual do seu criador, bem como a sua interpretação da realidade.

Para Duarte Jr.(1991,p.45), “ a arte se constitui num estimulo permanente para que nossa imaginação flutue e crie mundos possíveis, novas possibilidades de ser e sentir-se”. Por este caráter utópico, para o autor, a arte se constitui num elemento pedagógico fundamental ao homem.

Sabemos que na nossa sociedade a educação formal valoriza a aquisição de conhecimentos por mecanismos racionais e objetivos, seccionando o individuo entre ser motriz e ser pensante. A arte, dentro deste processo, erroneamente é vista como a recreação dos alunos e/ou como a apresentação estética da escola. A arte propicia ao educando a liberdade do formar, realizada por tentativas, cujos percursos e regras são descobertos pelo próprio educando. O professor tem um papel primordial nessa tarefa, não podendo deixar tudo pela livre expressão e nem ter apenas uma visão tecnicista da arte.

A arte na educação deve propiciar ao individuo uma experiência estética, na qual o sujeito está presente de uma forma integral, sem dicotomias, e este interpreta, por meio de formas artísticas, sua visão de mundo. A arte deve propiciar ao educando o fazer e o pensar artístico e estético, o estudo de seus elementos específicos, o conhecimento da história da arte já produzida e em produção pela humanidade, o conhecimento de si próprio e do mundo circundante, aonde a ampliação da potencialidade do sujeito como ser criativo, comunicativo, expressivo e inteligível se faz presente a todo instante.

A afetividade no dia-a-dia da sala de aula se reflete na preocupação com os alunos, reconhecendo-os como seres autônomos, mostrando exigências coerentes e uma atitude de confiança e respeito à sabedoria e à condição de aprendiz de cada um. Quantas sutilezas estão contidas no mistério da aprendizagem. A maior delas talvez seja a simples fé de que o aluno vai aprender... e a fé move montanhas.

O professor queira ou não, interfere positiva ou negativamente na formação de seu aluno, quando coloca em pauta o seu potencial de aprendiz e fragiliza o vínculo estabelecido nas relações. Em sala de aula, transmitimos mais que palavras; transmitimos também crenças, e conteúdos que vão além da execução de exercícios.
Voltou-me com clareza a lembrança de pessoas queridas, que fizeram parte da minha caminhada e tanto acrescentaram em meu saber.
A presença de experiências marcantes vividas com meus primeiros ensinantes continua atuando positivamente, reforçando a afirmação de que o vínculo recheado de afeto deixa marcas. Para a realização da pesquisa PIBIC, o tema o Domínio Afetivo do processo ensino-aprendizagem em Teatro, representou um grande desafio, como analisar e avaliar as manifestações que estarão no âmbito da subjetividade dos sujeitos envolvidos? Como despertar uma relação de confiança para fomentar valores e capacidades, sem tolher singularidades, sem impor uma visão particular? A primeira atitude diante desse desafio seria traçar um perfil básico da turma, para comparar manifestações particulares com as idéias pré-concebidas e a partir dali se eu estaria as conhecendo um pouco mais ou não.

As angustias de uma pesquisadora que precisaria estar atenta a informações relativas a pesquisa, cumprindo as necessidades desta pesquisa, verificando as contribuições do método de analise ativa nessas aulas e apavorada enquanto professora estando atenta e repensando diariamente a relação que se estabelecera entre mim e aquele grupo. Via-me refletida em cada rosto e é assim que talvez se manifeste a empatia entre as pessoas.

Apesar do pouco tempo que tinha com aquelas meninas precisava correr para que elas tivessem confiança em mim e eu nelas. Seria um desafio, logo no primeiro contato onde nos apresentamos senti-me envergonhada, pois apesar de tentar decididamente estar aberta para aquela nova experiência, fui traída em minhas palavras quando ao ser sincera declarei que poucos eram meus amigos que eu possuía mais colegas do que amigos e assim preferia levar a minha vida por conta das muitas pancadas que levei. Após algumas falas uma garota disse que por mais que fosse difícil preferia encarar a todos inicialmente como amigos do que apenas como colegas afinal esta seria a relação que pretendia estabelecer com qualquer um que estivesse disposto como ela estava. Dali tirei uma primeira lição sobre relacionamentos que a muito havia esquecido você não pode iniciar um julgando as pessoas com desconfiança, dificilmente haverá aproximação assim.

Senti-me tão insegura que nas aulas seguintes dei preferência a assistir a condução de aula de outra bolsista, e me coloquei como aluna realizando cada exercício, liberação, sensibilização e produção. Neste dia fizemos um exercício que estimulava a confiança em dupla seria necessária olho no olho, atenção máxima no colega e no grupo para não esbarrar em alguém, inicialmente o meu par mostrou-se desafiadora enquanto eu busquei relaxar e concentrar-me no objetivo do exercício aos poucos a tensão foi se decepando e senti que eu já seria uma igual a ela uma colega com a qual ela realizava o exercício.O riso fluiu naturalmente reconheciamo-nos, o som, os movimentos o pensamento parecia um só e na fase seguinte dialogávamos naturalmente em cena. Sabíamos o que a outra pensava e a turma parecia me ver como igual. Quando dei a minha primeira aula por mais tempo que havia se passado entre aquela aula e esta o sentimento parecia o mesmo. Senti-me acolhida e conversávamos naturalmente. Eu ainda era professora, mas mais do que isso.

O vinculo afetivo parecia ter se estabelecido e eu estava ligada aquelas meninas a ponto de poder me abrir para dar e receber. Voltei as minhas lembranças daquela fase de minha vida. A partir dali conseguia realmente perceber algumas dificuldades. A necessidade de vincular e interpretar o mundo a partir de si mesmo,isso todo ser humano faz mas os adolescentes tendem a acreditar que a relação entre a informação recebida e os seus sentimentos é a única mensagem que um texto pode conter. Assim, elas manifestavam sua visão de mundo para elas falar de si mesmas era fácil, faziam uma bela caricatura de seu ser.

Ao interpretar um texto que levamos cuja idéia principal esta vinculada a informação de que tudo é código, tudo é texto e é passível de ser lido. Havendo assim diversos textos no teatro e diversas formas de ser lido. Reconheciam como a mensagem mais importante deste texto, sentimentos visivelmente particulares, e nem por isso não universal, como a importância da presença dos pais, para que o personagem não tivesse que sofrer tanto com novas descobertas, ou diferentes escolhas poderiam ter trazido esse aprendizado de forma menos dolorosa ao personagem.

A aula de teatro-educação é uma seqüência de atividades que deve ter princípio, meio e fim, sendo planejada de modo que o aluno se sinta cada vez mais envolvido e, ao final da aula, a turma alcance seu grau de concentração mais ou menos uniformes para que sejam realizadas atividades mais complexas. Sendo cada aula única, os resultados de um mesmo planejamento será diferente em cada turma. As regras do jogo podem ser alteradas tanto pelo professor, quanto pelos alunos, pois para cada criação não existem limites e é importante que cada pessoa possa se expressar livremente. Cada pessoa tem um modo de perceber o mundo e se relacionar com os outros e um dos grandes desafios para cada sujeito do processo é não deixar que nossas opiniões e valores se imponham, para não sufocar as possibilidades de expressão dos outros.


Como educadora percebo que no relacionamento professor-aluno a palavra do professor tem um peso e uma importância muito grande. Qualquer juízo de valor mesmo que não seja colocado como correção ou avaliação, pode projetar modelos de conduta, aos quais o aluno vai tentar adaptar-se, fugindo assim a expressão genuína do seu verdadeiro universo, o que constituiria justamente o oposto dos principais objetivos da Educação através da Arte: o auto-conhecimento e a livre expressão do individuo. Há muitos anos e remetendo-me a esta vivência, enquanto aluna, percebi que o sentimento de afeto ao qual delego importância influenciou e até mudou minha postura frente ao processo de aprender. Inevitavelmente, fiz uma relação entre a aluna que fui e a professora que sou hoje.


Diante daquele grupo de meninas a lembrança da minha educação ficou mais forte, identifiquei-me com sua estima elevada daquele momento, pois como elas passei por um momento em que um trabalho que fiz por curiosidade e diversão, foi elogiado e reconhecido por um grupo grande, senti-me triste pois meus companheiros cada um seguiu seu caminho e achei que como fui bem sucedida em algo poderia levar adiante meu trabalho meu talento e aquilo ficou sério demais. Não era mais tão divertido era tudo o que eu tinha e o que sabia fazer e aquilo era serio era importante precisava acertar sempre.
Era o momento a linha tênue entre sonhos, expectativas e a realização delas precisavam levar a serio. Todas essas expectativas e a seriedade atribuída aquelas aulas, me afastavam do auto-conhecimento da descoberta de novos e antigos valores de refletir sobre eles uma angustia crescente talha qualquer tentativa de liberdade para pensar e expressar e dividir minhas dores com os outros. Eles seriam severos comigo afinal eu não estava nos moldes não estava sendo feliz, eu não relaxava. Uma atenção precisava ser dada aquelas meninas e eu me fundi com elas, mesma idade anseios parecidos. Uma boa forma de se aproximar é através da empatia, vive isso. Também não conseguia relaxar. Falando o porquê das coisas afinal na adolescência já não se faz às coisas sem pensar porque se está fazendo aquilo.

Algumas das dificuldades mais fortes é a questão da dificuldade de improvisar cenas a partir do “nada”, algumas alunas não conseguem sentir-se bem em simplesmente improvisar preferem formulas e caminhos mais seguros dali se desenvolvem e brincam com as coisas improvisam mais se sentem travadas para algo menos direcionado mais livre.
Acredito naquele professor que se envolve afetivamente e se vê como formador, que crê na missão de que ensinar vai além da prática do fazer artístico. Com propriedade, Alicia Fernández e Sara Pain nos dizem que para aprender são necessários dois personagens, o ensinante e o aprendente e um vínculo que se estabelece entre ambos. (FERNÁNDEZ, 1991.p.48).É fato que a aprendizagem é considerada um processo que engloba os indivíduos em questão como um todo.

É importante que o professor perceba-se como facilitador do processo de aprendizagem, pois, quando a relação que estabelece com seu aluno é pautada no vínculo e no afeto, propicia a ele a oportunidade de: mostrar, guardar, criar, entregar o conhecimento e permite que o outro possa investigar, incorporar e apropriar-se do conhecimento.
Desta forma há uma relação que ultrapassa o nível acadêmico e permite que ocorra um olhar diferenciado em direção ao desconhecido.
Quando este olhar permeado de afetos, em que os diferentes vínculos circularam acontece, há espaço para que o aluno seja ativo e autor do próprio conhecimento. Aí sim, há um despertar, uma vontade de apropriar-se do conhecimento. Há então um real aprendizado e o encontro efetivo de quem ensina com quem aprende. Este envolvimento dá a oportunidade para que haja um movimento na direção do desabrochar de cada um.
A esperança é primordial na relação professor / aluno. O olhar com possibilidades à condição de aprender, que vem do afeto responsável, a meu ver é necessário para o encontro do indivíduo com a crença nele próprio (“eu posso”). Este espaço possibilita a circulação do saber em direção à vida e ao desabrochar de cada aluno.


Enfim, para concluir, as relações permeadas pelo vínculo afetivo contribuem para reparar possíveis fraturas no processo de aquisição do conhecimento de cada um dá espaço para que haja um aprendizado que transforma interiormente propiciando a ele o saber fazer e ser atuante com possibilidades de posicionar-se frente a uma sociedade exigente e em constante movimento. Posso então afirmar que o afeto faz diferença na construção do sujeito e deixa marcas em suas conquistas.

Referências Bibliográficas

DUARTE JR, João-Francisco. Por que arte-educação?. Campinas, SP: Papirus, 1991.
KUSNET, Eugenio. Ator e método. Rio de Janeiro. Serviço Nacional de Teatro: 1975.
DOURADO, Paulo & MILLET, Maria Eugenia. Manual de Criatividades. Salvador. FUNCEB: Egba, 1997.

A fidelidade ao texto dramático

Roberto de Abreu
Novembro de 2004
Artigo 4

A fidelidade ao texto dramático

Todo processo de montagem duma encenação é polêmico. Os questionamentos, as crises, as problemáticas que são levantadas são constantes até que se consiga alcançar um denominador comum. O teatro é polissêmico por natureza, a começar pelo número de artistas e múltiplas mãos que elaboram um espetáculo teatral, portanto é completamente compreensível que seja difícil afinar num mesmo diapasão tantos instrumentos híbridos e heterogêneos. Uma das crises mais comuns diz respeito a uma pseudo e suspeita fidelidade, que se quer ou não, imprimir na relação entre a encenação e o texto dramático. Esta fidelidade é possível ou impraticável?
Diversos encenadores, tentam justificar esta ou aquela decisão de solução para cena, são fundamentadas em trechos ou passagens do texto, o que também acontece com os atores. Mas poderíamos questionar: estas justificativas dos encenadores são realmente fundamentadas no texto? Parecem estar mais ligadas às interpretações que tais indivíduos têm do texto que ao texto propriamente dito. Uma questão hermenêutica.
Poderíamos dizer, sim, que existe algo de essencial que é “permanente” num texto dramático, algo íntimo, indispensável, um “super objetivo” da obra. De resto temos apenas rasuras, ideais que poderão sempre ser contestados pelo encenador e pelos intérpretes. Portanto poderíamos falar que não é o texto o alicerce da encenação, mas as interpretações que encenadores, atores, cenógrafos, iluminadores (...) têm desta dramaturgia, é daí que parte uma montagem. E poderíamos dizer ainda que existe então uma dramaturgia que é própria da encenação, que pode ter “muito” ou “nada” do texto dramático de que se utiliza.
Outra curiosidade que pode ser levantada é: se o dramaturgo for o encenador de seu próprio texto, sua encenação será fiel ao texto? De certo que não, no máximo será fiel à forma como o dramaturgo consegue vislumbrar sua própria obra, e assim voltamos à primeira condição. Logo, assim que o autor “termina” sua obra ela é única e inacessível, e a partir daí, renasce, sempre que entra em contato com a recepção de um leitor mais ou menos leigo. Poderíamos aplicar este princípio ainda a qualquer obra de arte produzida. A obra de arte é o que foi feito ou o que é apreciado? Ela existe quando não há receptor?
O texto dramático estará sempre ocioso, a espera de uma trupe, de um elenco, de um encenador que lhe dê identidade e sopro de vida. Estará sempre à espera de uma montagem.

A Dramaturgia nas diversas formas artísticas contemporâneas

PIBIC 2004 – 2005
Roberto de Abreu
Artigo 3

A Dramaturgia nas diversas formas artísticas contemporâneas

O princípio dramático está presente nas mais diversas narrativas audiovisuais, do teatro à dança, da telenovela ao cinema. Desde que se tornou um gênero para além do épico e do lírico, o drama vem sendo re-inventado, e com o advento da tecnologia e as inovações na ciência, as possibilidades do uso de recursos dramáticos aumentaram consideravelmente.
No cinema, o roteiro, como orientador de uma montagem audiovisual, apesar de todas as suas especificidades, conserva as forças motrizes como o conflito, a tensão, a intriga etc. O olhar da lente cumpre a função épica de narrar a fábula, entretanto a autonomia das personagens aproxima, de certo modo, a linguagem cinematográfica do texto dramático.
A dança contemporânea tem aproximado os princípios dramáticos da linguagem dos corpos em movimento. Algumas obras chegam a ter protagonistas e antagonistas, argumento e uma intriga clara. E o corpo torna-se, além de tudo, também um instrumento na construção de um mitema que é delineado gradativamente.
A teledramaturgia é um exemplo mais claro, com influências teatrais e cinematográficas, no Brasil já faz parte da vida da população e alcança, por sua popularidade, lugares ainda inacessíveis para as outras linguagens. Sinais de Tv alcançam pequenas cidades, e também a zona rural, onde certas expressões artísticas ainda não se fizeram presentes. Esta estrutura sobrepuja unidades clássicas como as de tempo, espaço e ação, apesar de conservar ainda uma busca da mimese dramática e tem ainda, outras tantas sofisticações como criações de núcleos dramáticos e intrigas paralelas, que costumam ser exploradas também nas grandes telas e nos palcos.
O fato é que cada linguagem contemporânea se vale da dramaturgia, esta arte milenar da forma que mais lhe convêm e dentro das “limitações”, inclinações e possibilidades que lhes são oferecidas e inerentes. É importante observar que, por mais que se re-invente o drama, todas essas expressões que têm no bojo a estrutura de um “texto” dramático conservam fatores, de caráter essencial para que se caracterize o drama, que são comuns a todas elas.

A Dramaturgia nossa de cada dia

PIBIC 2004 – 2005
Artigo 2 de ROBERTO DE ABREU

A Dramaturgia nossa de cada dia


Desde muito tempo tenta-se estabelecer normas e fórmulas bem acabadas, para se traçar as diretrizes da criação do Texto Dramático. Entretanto, cabe ao artista, que começa a enveredar pelo exercício de conceber situações dramáticas, perceber que os elementos que compõem o drama (preconizados desde Aristóteles na antiguidade clássica), estão, o tempo inteiro, presentes na vida do homem, o que traduz a obsessão compulsiva de observação pelos dramaturgos, das relações humanas.

Luis Alberto de Abreu, dramaturgo contemporâneo, numa de suas conferências sobre Dramaturgia, disse categoricamente: “Dramaturgia não é texto”. Sábias palavras. A Dramaturgia não faz do dramaturgo um “tipo” peculiar de escritor. O dramaturgo é, sim, um artista que não é um pleno literato tampouco um pleno encenador, mas a fusão sensível dos dois.

A Dramaturgia pode ser considerada, assim, lato sensu, como a arte de organizar uma idéia dramaticamente num eixo sintagmático, mesmo que este eixo pareça caótico. E, partindo deste princípio, não só o Autor Teatral é um dramaturgo, mas também o são o Encenador e o Ator, estabelecendo uma relação intrincada numa dialética constante com os públicos.

A Dramaturgia não é somente texto. Nós a encontramos nas situações mais diversas de todos os dias, articuladas com a Música, as Artes Plásticas, a Dança. Esta última tem se aproximado cada vez mais do Teatro através da Dança Contemporânea. No caso da música, para quê exemplo mais claro que Geni e o Zeppelin, de Chico Buarque? Não por seu caráter épico, mas pela forma com que o compositor apresenta o encadeamento dos fatos e como os organiza naturalmente, neste caso, com um princípio de causalidade.
Importante configurar ainda a sutil distinção entre a obra dramática e a obra com características dramáticas. A Dramaturgia não está centrada simplesmente na presença de um conflito e uma tensão, mas na elaboração sintagmática de uma trama, uma intriga, e sua influência na dinâmica orgânica do conflito entre as personagens.
Todos nós temos histórias para contar. E a cada vez que contamos uma de nossas histórias, nos re-afirmamos pela nossa dramaturgia particular, fruto da forma que o mundo nos ensinou a contar nossas fábulas. Quando vivemos nossas histórias, estamos sempre sob a égide criadora de um dramaturgo, para alguns o destino, para outros, Deus, o Diabo, os Orixás, os Anjos ou nós mesmos. Não importa, estaremos sempre inventando e re-inventando a Vida e a Arte.

A CIÊNCIA E A ARTE DE GERAR E CELEBRAR A DRAMATURGIA

PIBIC 2004 – 2005
Artigo 1 de ROBERTO DE ABREU

A CIÊNCIA E A ARTE DE GERAR E CELEBRAR A DRAMATURGIA
A necessidade da pesquisa: “A Dramaturgia e os sentidos expressos por jovens espectadores na Bahia”

A Dramaturgia é sim uma ciência à parte, a reunião de poesia e técnica, Dioniso e Apolo. O Dramaturgo é um Cientista cego e visionário, não há fórmula para que se alcance um resultado satisfatório na construção de um texto dramático, como também não há fórmula que garanta o bom resultado de qualquer obra artística. Gerar resultados estéticos é estar sempre correndo o risco. E esse resultado “satisfatório” também é um elemento facultativo do juízo de gosto de toda uma conjectura social e de época.
Entretanto, desde Aristóteles, a humanidade tenta examinar o gênero dramático e formular os postulados que regeriam um drama digno do alcance de um supra-objetivo, segundo o próprio Aristóteles, a catarse, purgação de sensações através do terror e da piedade. Portanto, não se pode simplesmente ignorar tais ensaios, que ao longo da história foram geridos pelos intelectuais e artistas que se interessavam pela Obra Cênica. Afinal, há de haver algo em comum entre os Clássicos Teatrais?
Na Bahia, principalmente na periferia de Salvador e em algumas cidades do interior do estado, o Teatro amador vem sendo feito em grandes proporções, por jovens que estão descobrindo o Teatro, muitos deles sem qualquer monitoria, sendo que existem trabalhos que são desenvolvidos por ONGs e outras instituições que oferecem uma equipe de profissionais qualificados. A grande responsável pela formação desses profissionais tem sido a Escola de Teatro da UFBA - Universidade Federal da Bahia, que vem, há anos, fomentando o aperfeiçoamento técnico e artístico, oferecendo espaço para experimentação a artistas de várias partes do Brasil, que se disponham a conhecer mais a área em que atuam.
Dos grupos que seguem seu caminho sem o acompanhamento qualificado, poucos conseguem um resultado consistente. Em sua maioria, eles constroem os trabalhos artísticos em sistema de direção coletiva, sedimentando sua dramaturgia também numa construção grupal. Talvez, por não terem o direcionamento técnico e a oportunidade de contato com subsídios teóricos, muito do esforço, para construir as montagens, esbarra na dificuldade de produção. Será, então, que não seria a hora de se atentar para soluções viáveis, no sentido de reavivar e mobilizar ainda mais tais grupos, dando o devido tratamento à poética de encenação destes espetáculos, para que do seio criador desses multiplicadores surja um resultado estético mais elaborado? É preciso, para tanto, dar a devida atenção e cuidado, a este elemento tão importante da obra teatral: o Texto.
Se considerarmos a dramaturgia como a arquitetura da encenação, a planta baixa, o alicerce, veremos que, se por qualquer motivo, esse alicerce for frágil... a construção toda torna-se-á igualmente fragilizada. Por isso a necessidade de uma pesquisa que envolva arte-educação e dramaturgia, que consiga ir a campo, experimentar com esses grupos, dar-lhes aparato técnico, desenvolver aulas práticas, para solidificar essa redescoberta do Teatro pelo povo. É necessário amparar aqueles que se motivam a fomentar a crença num Teatro novo, viril e substancialmente popular.
A pesquisa, de iniciação científica, com título A dramaturgia e os sentidos expressos por jovens baianos, está sendo desenvolvida sob a orientação do Prof. Dr. Sérgio Coelho Borges Farias, na Universidade Federal da Bahia. Com uma equipe de seis bolsistas, cinco deles estudantes de Licenciatura em Teatro, e uma de Pedagogia, a proposta é produzir conhecimento, no tocante ao estudo e contato com a Dramaturgia, para grupos de Teatro vinculados a ONGs e comunidades de Salvador, além de atividades que serão desenvolvidas com alguns grupos do interior da Bahia, tratando ainda da Recepção, com o objetivo de caracterizar a formação crítica e o processo sócio político para a formação da visão que tais jovens têm acerca da obra de arte.