sábado, 20 de março de 2010

O Domínio Afetivo no processo ensino-aprendizagem em Teatro

Artigo de Juliane

O Domínio Afetivo no processo ensino-aprendizagem em Teatro


Pretende-se propiciar neste artigo, um espaço para algumas reflexões, sobre o domínio afetivo no processo ensino-aprendizagem em Teatro, tecendo-se considerações a cerca do papel do vínculo afetivo nessa relação.

Na visão de Piaget, o desenvolvimento intelectual é considerado como tendo dois componentes: um cognitivo e outro afetivo. Afeto inclui sentimentos, interesses, desejos, tendências, valores e emoções em geral. O afeto apresenta varias dimensões, incluindo sentimentos subjetivos (amor, raiva, depressão) e aspectos expressivos (sorrisos, gritos, lágrimas). Para alguns autores são dois aspectos do afeto que indicam sua necessidade no processo cognitivo:
1)motivação ou energização da atividade intelectual;
“Para uma estrutura de conhecimento funcionar, algo deve acioná-la, originar o esforço a ser desenvolvido a cada momento e desliga-la” “(WADSWORTH: __________ in aput Brown & Weiss: 1987);
2) seleção, a atividade intelectual é sempre dirigida para objetos ou eventos particulares (interesse).
“O aspecto afetivo pode acelerar ou diminuir o ritmo do desenvolvimento e pode determinar sobre que conteúdos a atividade intelectual se concentrará”. (WADSWORTH:__________ in aput Brown & Weiss:1987).
Fica clara a relação entre a afetividade e o desenvolvimento cognitivo, confirmando que o pensar e o sentir estão intimamente ligados.

Partindo deste ponto, pode-se afirmar que o vínculo afetivo quando presente torna diferente a relação do sujeito com o aprender, propicia-lhe a oportunidade de ser visto com competências e olhado com possibilidades e respeito. Se a escola é uma instituição criada no sentido de auxiliar no desenvolvimento integral do individuo ela deve estar atenta a este aspecto. E pensar neste indivíduo de forma integral.
Assim, o Domínio Afetivo do processo ensino-aprendizagem em Teatro deve ser observado atentamente pelo educador no sentido de situar-se e ajudar o aluno a situar-se no processo educativo. De modo que ambos possam construir a partir de uma filosofia nas relações de ensino-aprendizagem uma visão de mundo única para cada sujeito no processo: professor e aluno.

A Arte por si só já tem especificidades que a fazem ser o veiculo ideal para o desenvolvimento da afetividade. Acredita-se que surge nos primórdios como um poder de magia, e que o homem, expressando-se por meio desta, sente-se mais forte em relação ao meio. Com o desenvolvimento das civilizações, a arte assume outras funções, podendo ser exercida junto a outras atividades como a religião, a política e a educação, mas sem perder as suas especificações.

A Arte, o fazer artístico, é um modo especifico de manifestação da atividade criativa dos seres humanos, ao interagirem com o mundo em que vivem, ao se conhecerem e ao conhecerem o mundo. Deste modo, o homem, ao fazer arte, desenvolve suas capacidades cognoscitivas, sendo esta habilidade específica, e interage através de suas percepções e emoções com o mundo que o rodeia; a arte possibilita ao homem adquirir conhecimentos, desenvolver sua potencialidade criativa e o torna capaz de questionar e transformar a sua realidade.

Desde o nascimento, o homem convive em uma sociedade que traz uma história de produções culturais passadas e busca a sua própria identidade estética. Este “fazer humano”, que é a arte, é resultante das interações e reações do homem com os valores, com os conceitos e com o contexto sócio-politico-econômico de sua época; o artista expressa-se através de formas criativas, as quais não são passiveis de uma tradução para a linguagem conceitual, pois a arte esta mais ligada ao intuir e ao sentir, do que ao simbolizar. Na obra de arte, o artista exterioriza sua visão de mundo, através de uma experiência estética, de uma forma original e subjetiva, onde processo e produto fazem parte indissociável da obra.

A operação artística é um processo de invenção e produção, porém possui modos específicos, uma formatividade específica, onde é um fim em si mesma como atividade, e envolve o ser como um todo. Muitas outras atividades utilizam a arte como um meio para alcançar determinados fins, sem que uma sobrepuje a outra, mas estas devem propiciar que a arte alcance seu próprio fim , exercendo-se dentro de ou através de outras atividades, aonde processo e produto artísticos estão presentes, e só através destes caracteriza-se a formatividade artística, transparecendo o caráter pessoal e espiritual do seu criador, bem como a sua interpretação da realidade.

Para Duarte Jr.(1991,p.45), “ a arte se constitui num estimulo permanente para que nossa imaginação flutue e crie mundos possíveis, novas possibilidades de ser e sentir-se”. Por este caráter utópico, para o autor, a arte se constitui num elemento pedagógico fundamental ao homem.

Sabemos que na nossa sociedade a educação formal valoriza a aquisição de conhecimentos por mecanismos racionais e objetivos, seccionando o individuo entre ser motriz e ser pensante. A arte, dentro deste processo, erroneamente é vista como a recreação dos alunos e/ou como a apresentação estética da escola. A arte propicia ao educando a liberdade do formar, realizada por tentativas, cujos percursos e regras são descobertos pelo próprio educando. O professor tem um papel primordial nessa tarefa, não podendo deixar tudo pela livre expressão e nem ter apenas uma visão tecnicista da arte.

A arte na educação deve propiciar ao individuo uma experiência estética, na qual o sujeito está presente de uma forma integral, sem dicotomias, e este interpreta, por meio de formas artísticas, sua visão de mundo. A arte deve propiciar ao educando o fazer e o pensar artístico e estético, o estudo de seus elementos específicos, o conhecimento da história da arte já produzida e em produção pela humanidade, o conhecimento de si próprio e do mundo circundante, aonde a ampliação da potencialidade do sujeito como ser criativo, comunicativo, expressivo e inteligível se faz presente a todo instante.

A afetividade no dia-a-dia da sala de aula se reflete na preocupação com os alunos, reconhecendo-os como seres autônomos, mostrando exigências coerentes e uma atitude de confiança e respeito à sabedoria e à condição de aprendiz de cada um. Quantas sutilezas estão contidas no mistério da aprendizagem. A maior delas talvez seja a simples fé de que o aluno vai aprender... e a fé move montanhas.

O professor queira ou não, interfere positiva ou negativamente na formação de seu aluno, quando coloca em pauta o seu potencial de aprendiz e fragiliza o vínculo estabelecido nas relações. Em sala de aula, transmitimos mais que palavras; transmitimos também crenças, e conteúdos que vão além da execução de exercícios.
Voltou-me com clareza a lembrança de pessoas queridas, que fizeram parte da minha caminhada e tanto acrescentaram em meu saber.
A presença de experiências marcantes vividas com meus primeiros ensinantes continua atuando positivamente, reforçando a afirmação de que o vínculo recheado de afeto deixa marcas. Para a realização da pesquisa PIBIC, o tema o Domínio Afetivo do processo ensino-aprendizagem em Teatro, representou um grande desafio, como analisar e avaliar as manifestações que estarão no âmbito da subjetividade dos sujeitos envolvidos? Como despertar uma relação de confiança para fomentar valores e capacidades, sem tolher singularidades, sem impor uma visão particular? A primeira atitude diante desse desafio seria traçar um perfil básico da turma, para comparar manifestações particulares com as idéias pré-concebidas e a partir dali se eu estaria as conhecendo um pouco mais ou não.

As angustias de uma pesquisadora que precisaria estar atenta a informações relativas a pesquisa, cumprindo as necessidades desta pesquisa, verificando as contribuições do método de analise ativa nessas aulas e apavorada enquanto professora estando atenta e repensando diariamente a relação que se estabelecera entre mim e aquele grupo. Via-me refletida em cada rosto e é assim que talvez se manifeste a empatia entre as pessoas.

Apesar do pouco tempo que tinha com aquelas meninas precisava correr para que elas tivessem confiança em mim e eu nelas. Seria um desafio, logo no primeiro contato onde nos apresentamos senti-me envergonhada, pois apesar de tentar decididamente estar aberta para aquela nova experiência, fui traída em minhas palavras quando ao ser sincera declarei que poucos eram meus amigos que eu possuía mais colegas do que amigos e assim preferia levar a minha vida por conta das muitas pancadas que levei. Após algumas falas uma garota disse que por mais que fosse difícil preferia encarar a todos inicialmente como amigos do que apenas como colegas afinal esta seria a relação que pretendia estabelecer com qualquer um que estivesse disposto como ela estava. Dali tirei uma primeira lição sobre relacionamentos que a muito havia esquecido você não pode iniciar um julgando as pessoas com desconfiança, dificilmente haverá aproximação assim.

Senti-me tão insegura que nas aulas seguintes dei preferência a assistir a condução de aula de outra bolsista, e me coloquei como aluna realizando cada exercício, liberação, sensibilização e produção. Neste dia fizemos um exercício que estimulava a confiança em dupla seria necessária olho no olho, atenção máxima no colega e no grupo para não esbarrar em alguém, inicialmente o meu par mostrou-se desafiadora enquanto eu busquei relaxar e concentrar-me no objetivo do exercício aos poucos a tensão foi se decepando e senti que eu já seria uma igual a ela uma colega com a qual ela realizava o exercício.O riso fluiu naturalmente reconheciamo-nos, o som, os movimentos o pensamento parecia um só e na fase seguinte dialogávamos naturalmente em cena. Sabíamos o que a outra pensava e a turma parecia me ver como igual. Quando dei a minha primeira aula por mais tempo que havia se passado entre aquela aula e esta o sentimento parecia o mesmo. Senti-me acolhida e conversávamos naturalmente. Eu ainda era professora, mas mais do que isso.

O vinculo afetivo parecia ter se estabelecido e eu estava ligada aquelas meninas a ponto de poder me abrir para dar e receber. Voltei as minhas lembranças daquela fase de minha vida. A partir dali conseguia realmente perceber algumas dificuldades. A necessidade de vincular e interpretar o mundo a partir de si mesmo,isso todo ser humano faz mas os adolescentes tendem a acreditar que a relação entre a informação recebida e os seus sentimentos é a única mensagem que um texto pode conter. Assim, elas manifestavam sua visão de mundo para elas falar de si mesmas era fácil, faziam uma bela caricatura de seu ser.

Ao interpretar um texto que levamos cuja idéia principal esta vinculada a informação de que tudo é código, tudo é texto e é passível de ser lido. Havendo assim diversos textos no teatro e diversas formas de ser lido. Reconheciam como a mensagem mais importante deste texto, sentimentos visivelmente particulares, e nem por isso não universal, como a importância da presença dos pais, para que o personagem não tivesse que sofrer tanto com novas descobertas, ou diferentes escolhas poderiam ter trazido esse aprendizado de forma menos dolorosa ao personagem.

A aula de teatro-educação é uma seqüência de atividades que deve ter princípio, meio e fim, sendo planejada de modo que o aluno se sinta cada vez mais envolvido e, ao final da aula, a turma alcance seu grau de concentração mais ou menos uniformes para que sejam realizadas atividades mais complexas. Sendo cada aula única, os resultados de um mesmo planejamento será diferente em cada turma. As regras do jogo podem ser alteradas tanto pelo professor, quanto pelos alunos, pois para cada criação não existem limites e é importante que cada pessoa possa se expressar livremente. Cada pessoa tem um modo de perceber o mundo e se relacionar com os outros e um dos grandes desafios para cada sujeito do processo é não deixar que nossas opiniões e valores se imponham, para não sufocar as possibilidades de expressão dos outros.


Como educadora percebo que no relacionamento professor-aluno a palavra do professor tem um peso e uma importância muito grande. Qualquer juízo de valor mesmo que não seja colocado como correção ou avaliação, pode projetar modelos de conduta, aos quais o aluno vai tentar adaptar-se, fugindo assim a expressão genuína do seu verdadeiro universo, o que constituiria justamente o oposto dos principais objetivos da Educação através da Arte: o auto-conhecimento e a livre expressão do individuo. Há muitos anos e remetendo-me a esta vivência, enquanto aluna, percebi que o sentimento de afeto ao qual delego importância influenciou e até mudou minha postura frente ao processo de aprender. Inevitavelmente, fiz uma relação entre a aluna que fui e a professora que sou hoje.


Diante daquele grupo de meninas a lembrança da minha educação ficou mais forte, identifiquei-me com sua estima elevada daquele momento, pois como elas passei por um momento em que um trabalho que fiz por curiosidade e diversão, foi elogiado e reconhecido por um grupo grande, senti-me triste pois meus companheiros cada um seguiu seu caminho e achei que como fui bem sucedida em algo poderia levar adiante meu trabalho meu talento e aquilo ficou sério demais. Não era mais tão divertido era tudo o que eu tinha e o que sabia fazer e aquilo era serio era importante precisava acertar sempre.
Era o momento a linha tênue entre sonhos, expectativas e a realização delas precisavam levar a serio. Todas essas expectativas e a seriedade atribuída aquelas aulas, me afastavam do auto-conhecimento da descoberta de novos e antigos valores de refletir sobre eles uma angustia crescente talha qualquer tentativa de liberdade para pensar e expressar e dividir minhas dores com os outros. Eles seriam severos comigo afinal eu não estava nos moldes não estava sendo feliz, eu não relaxava. Uma atenção precisava ser dada aquelas meninas e eu me fundi com elas, mesma idade anseios parecidos. Uma boa forma de se aproximar é através da empatia, vive isso. Também não conseguia relaxar. Falando o porquê das coisas afinal na adolescência já não se faz às coisas sem pensar porque se está fazendo aquilo.

Algumas das dificuldades mais fortes é a questão da dificuldade de improvisar cenas a partir do “nada”, algumas alunas não conseguem sentir-se bem em simplesmente improvisar preferem formulas e caminhos mais seguros dali se desenvolvem e brincam com as coisas improvisam mais se sentem travadas para algo menos direcionado mais livre.
Acredito naquele professor que se envolve afetivamente e se vê como formador, que crê na missão de que ensinar vai além da prática do fazer artístico. Com propriedade, Alicia Fernández e Sara Pain nos dizem que para aprender são necessários dois personagens, o ensinante e o aprendente e um vínculo que se estabelece entre ambos. (FERNÁNDEZ, 1991.p.48).É fato que a aprendizagem é considerada um processo que engloba os indivíduos em questão como um todo.

É importante que o professor perceba-se como facilitador do processo de aprendizagem, pois, quando a relação que estabelece com seu aluno é pautada no vínculo e no afeto, propicia a ele a oportunidade de: mostrar, guardar, criar, entregar o conhecimento e permite que o outro possa investigar, incorporar e apropriar-se do conhecimento.
Desta forma há uma relação que ultrapassa o nível acadêmico e permite que ocorra um olhar diferenciado em direção ao desconhecido.
Quando este olhar permeado de afetos, em que os diferentes vínculos circularam acontece, há espaço para que o aluno seja ativo e autor do próprio conhecimento. Aí sim, há um despertar, uma vontade de apropriar-se do conhecimento. Há então um real aprendizado e o encontro efetivo de quem ensina com quem aprende. Este envolvimento dá a oportunidade para que haja um movimento na direção do desabrochar de cada um.
A esperança é primordial na relação professor / aluno. O olhar com possibilidades à condição de aprender, que vem do afeto responsável, a meu ver é necessário para o encontro do indivíduo com a crença nele próprio (“eu posso”). Este espaço possibilita a circulação do saber em direção à vida e ao desabrochar de cada aluno.


Enfim, para concluir, as relações permeadas pelo vínculo afetivo contribuem para reparar possíveis fraturas no processo de aquisição do conhecimento de cada um dá espaço para que haja um aprendizado que transforma interiormente propiciando a ele o saber fazer e ser atuante com possibilidades de posicionar-se frente a uma sociedade exigente e em constante movimento. Posso então afirmar que o afeto faz diferença na construção do sujeito e deixa marcas em suas conquistas.

Referências Bibliográficas

DUARTE JR, João-Francisco. Por que arte-educação?. Campinas, SP: Papirus, 1991.
KUSNET, Eugenio. Ator e método. Rio de Janeiro. Serviço Nacional de Teatro: 1975.
DOURADO, Paulo & MILLET, Maria Eugenia. Manual de Criatividades. Salvador. FUNCEB: Egba, 1997.

Nenhum comentário:

Postar um comentário