terça-feira, 8 de setembro de 2009

REFERÊNCIAS

Como a fundamentação teórica se articula à arte de pesquisar

­ BARBA, Eugênio e SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral. São Paulo: Hucitec- editora da Unicamp,1995.
­ BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Repensando a pesquisa participante. 3ª ed. S. Paulo: Brasiliense, 1987.
­ GOLDEMBERG, Mirian. A arte de pesquisar: Como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Record, 1997.
­ GROTOWYSKY, Jerzy. Em busca de um teatro pobre. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971.
­ KUSNET, Eugênio. Ator e Método. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Artes Cênicas, 1987.
­ PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 2005.
­ STANISLAVSKI, Constantin. Manual do ator. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
­ _____________. A criação de um papel. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1995.
­ _____________. A preparação do ator. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,2005.
­ WEIL, Pierre & TOMPAKOW, Roland. O Corpo Fala: a linguagem silenciosa da comunicação não-verbal. Petrópolis: Vozes,1996

TEXTOS DRAMÁTICOS

Uma expressão da recepção

Ainda no Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes, pedimos em determinada altura que os alunos produzissem um texto dramático a partir do que tinham lido em “A história é uma istória (...)” de Millôr. Os temas foram os mais variados acerca da história universal. Seguem dois exemplos de texto bem como a análise feita pelo grupo de Pesquisa sobre os mesmos:

NAZISMO
Depois de terem perdido a 1º Guerra Mundial, a Alemanha se via humilhada tendo de cumprir o tratado de Versalhes... Surge então Hitler, com sede de vingança querendo devolver a dignidade para seu povo. Resolve implantar um novo sistema no seu país e então surge o Nazismo.

Hitler: Temos que recuperar o que nos foi roubado e fazer uma limpeza na nação.
Soldado: Não entendo o que quer dizer, senhor.
Hitler: Só os alemães, a única raça pura deve viver! Vamos banir os ratos e os insetos que são os judeus.
Soldado: Sim, Senhor!
Hitler: Pois bem, para conquistar o mundo e expandir o meu reinado devo me livrar da carcaça maldita que sempre atrapalha a minha vida e a Alemanha. Extermine-os imediatamente.

(O soldado sai de cena e Hitler também. Soldados fortemente armadosinvadem casas e lojas. Pegando os judeus, derrubando-os no chão e espancando, levando-os então para os campos de concentração. Todos os judeus miseravelmenteseparados e disolados procuram entender os acontecimentos. É anunciada a hora do banho e todos se dirigem à camara de gás... se contorcem, asfixiados gritam... morte de todos entrelaçados)

Hitler: Há só um rei! Há só uma verdade! Sigam-me que estarão seguindo a Deus!

Texto de Valdimeire Alves Nunes

O texto de Valdimeire, Val como prefere ser tratada, é permeado por uma série de informações históricas que foram discutidas em sala, seu texto tem um cunho pedagógico muito forte e uma inspiração grande no texto de Millôr. Fica claro como ela demonstra ter conhecimento da estrutura da redação de um texto dramático: Nome dos personagens em destaque, rubricas em destaque também para diferenciar do corpo do texto geral, etc. Este conhecimento fora adquirido através da leitura de textos do gênero na nossa oficina. Sua última rubrica, entretanto, concentra muitas ações que podiam ser desenvolvidas num texto, a sugestão foi aceita e levada para casa para uma edição. Depois da criação deste pequeno texto, “Val” diz que não vai mais esquecer de tudo que discutimos em aula sobre o assunto. Valeu a experiência.
O segundo texto é sobre o descobrimento do Brasil, tema também tratado por Millôr em seu texto dramático o que caracterizou este exercício de produção de texto também como um exercício de “análise ativa”;

DESCOBRIMENTO DO BRASIL

(Quatro atores com a cara pintada, simbolizando índios, cantam uma música indígena, chega Cabral e eles se assustam. Cabral Grita)

Cabral: Terra à vista !

(E acena na direção dos índios, que assustados param de cantar e Cabral começa a bater neles com a chibata gritando)

Cabral: Ouro! Ouro! Ouro!

(Até o momento dos quatro índios não aguentarem mais e caírem no chão)

Texto de Gabriela dos Santos

O texto de Gabriela é permeado de elementos para avaliação, e o primeiro deles seja a preocupação com a encenação levada ao texto. Já haviamos montado em oficina uma cena sobre o descobrimento do Brasil do texto de Millôr Fernandes, o que interferiu no processo de criação da cena de Gabriela. A cena não tem diálogo textual e mesmo a voz, dada a apenas um personagem, é uma frase e três palavras o que valoriza ainda mais a pantomima, há uma preocupação com o número de atores inclusive, com a música cantada e com a movimentação de “Cabral” ao matar os índios. Tem o mesmo teor crítico e satírico de “A história é uma istória (...)”.
Os dois textos respeitam as estruturas do texto dramático tradicional. Possuem rubrica, autonomia de personagens, posição, deslocamento e destaque do texto bem direcionados para a compreensão do que há de ser dito pela cena. As duas cenas, assim como as demais têm uma preocupação em estabelecer uma análise crítica dos acontecimentos e não só um cunho didático, informativo, como poderia ter parecido a proposta à primeira vista.

RESULTADOS

Reflexões dos processos comportamentais dos sujeitos diante dos caminhos metodólogicos propostos na pesquisa para o teatro-educação

Durante a interferência em campo, pudemos evidenciar elementos que puseram à prova nossa proposta metodológica. Aliar a Metodologia Espiral ao Método da Análise Ativa é um processo metodológico que pode instrumentalizar o educador que tenha como objetivo despertar em seu educando o valor do poético e do sensível, da habilidade de dar respostas, de organizar idéias e de analisar o texto-mundo.
A metodologia Espiral, criada pelo núcleo de pesquisa IC sob orientação do professor Sérgio Farias, teve como objetivo articular conteúdos práticos e teóricos no processo de montagem de um espetáculo didático, contemplando o estudo do texto e o desenvolvimento da cena. O Método da Análise Ativa tem um de seus componentes a construção simbólica da criação de um personagem envolvendo elementos como: condicional se, circustâncias propostas, sentimento de verdade, unidades e objetivos, ações físicas, etc[1]. Essas duas metodologias aliadas promovem no educando o desenvolvimento do sensível, do racional e das habilidades corporais, respectivamente dos domínios afetivo, cognitivo e psico-motor. Isso pode ser avaliado ao longo da fase de campo através da aplicação de entrevistas e questionários semi-estruturados. A palavra “metodologia” pode parecer um conceito caro, fechado, sisudo, entretanto a proposta da pesquisa não era o de pretender que esse caminho metodológico fosse universal, mas demonstrar que este é um caminho possível para instrumentalizar os planos de ensino dos educadores em teatro-educação.
No Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes, no início das atividades pudemos identificar através da aplicação de questionários, entrevistas e da observação que: o grupo era muito jovem, formado por alunos do Ensino Médio; todos já haviam tido alguma experiência com teatro, ainda que numa escala pequena de tempo; conheciam pouco acerca das teorias do teatro, pois as atividades de oficina privilegiavam o fazer teatral à contextualização histórica e até mesmo poética do Teatro; não haviam lido, ou haviam lido poucos, textos dramáticos; a relação com o grupo de teatro era uma relação afetiva, completamente emocional; havia sempre a expectativa da montagem de uma peça; e que a pouca experiência como teatro já conseguia fazê-los destinguir a linguagem teatral da televisiva ou cinematográfica.

“Estou no segundo ano fazendo teatro, ano passado foi legal, esse ano quero aprender mais e fazer uma boa peça”.
João (16 anos)
“Quero saber mais sobre teatro, como se faz, as peças que outras pessoas já fizeram de um teatro mais antigo”.
Lúcia (17 anos)
“Nunca li uma peça de teatro. Nem sei direito bem como é que se escreve uma”.
Joaquina (14 anos)

[1] Elementos propostos por Stanislavski ao longo de sua trajetória como diretor e pedagogo de Teatro.

“Eu era uma pessoa retraída, às vezes tímida e foi por isso que entrei para o teatro. Acabei me apaixonando pela arte de interpretar e achei que fui uma boa atriz e que tive boas idéias”.
Vera (18 anos)
“Teatro é diferente de televisão, é tudo ali na hora, TV não, os atores gravam, pode errar, e teatro é no palco. É tudo diferente”.
Joana (15 anos)

(Informação verbal)


Através da observação das oficinas de teatro conseguimos perceber, ainda no início das atividades: um pudor exagerado, motivado pelo medo de errar e pelo medo do ridículo, que impedia a liberdade de criação; a falta de consciência corporal e habilidade com o corpo cênico, deixando-o sem expressividade, sem autonomia, pela falta de uso de uma técnica específica que instrumentalizasse a criação da presença deste corpo em cena; a fragilidade das composições vocais, sem exploração das possibilidades oferecidas pelo aparelho fonador, por pura falta de treino e reconhecimento das potencialidades vocais; e a falta de conhecimento de causa para analisar um texto dramático, dada a falta de familiaridade com a estrutura literária. Identificadas as fragilidades, trabalhamos ao longo do curso em campo para observar em que medida a metodologia aplicada sanava ou melhorava estes aspectos durante o processo de ensino aprendizado, tanto para os sujeitos envolvidos, quanto para os pesquisadores. Segue a descrição das dificuldades encontradas com as devidas medidas tomadas ao longo deste processo visando a contribuição deste caminho metodólogico para a fruição do conhecimento e para o desenvolvimento dos domínios que formam a individualidade do ser como integrante do meio social:

POUCO CONHECIMENTO ACERCA DAS TEORIAS DO TEATRO
Os conteúdos previstos pelas metodologias adotadas contemplam fundamentações teórico e práticas, dando ao educando condições de conhecer melhor as teorias do teatro ao longo dos estudos de interpretação necessários à composição das personagens, e de conhecer melhor as teorias do drama para instrumentalizar a interpretação e análise dos textos dramáticos. Ao final do curso muito conteúdo havia sido trabalhado como: História do Teatro Ocidental, Composição de personagem, análise de texto, etc. Todos os conteúdos conectados com as propostas e caminhos das metodologias adotadas.

NÃO HAVIAM LIDO, OU HAVIAM LIDO POUCOS, TEXTOS DRAMÁTICOS
O texto de Millôr Fernandes e os textos dramáticos curtos de diversos dramaturgos, trabalhados em sala de aula, lidos individualmente em casa e lidos coletivamente no grupo contribuiram sensivelmente para que pudessem ser percebidas: a estrutura dramática, a composição de personagem, a divisão da estrutura em atos e cenas, a identificação de elementos como: argumentos, sinopses, nó, desenlace, etc. A identificação de subtextos e a análise ativa dos textos permitiram uma compreensão global das idéias do autor, que uma leitura simples não revela, contribuindo para a formação do senso crítico dos educandos.

O PUDOR EXAGERADO, O MEDO DE ERRAR E O MEDO DO RIDÍCULO
A análise ativa dos textos que previam arroubos e in sight em cena libertaram os educandos do pudor exagerado. Ter que analisar ativamente um texto, usando o corpo, improvisando um texto que havia sido lido apenas uma vez e convencer uma platéia de colegas que ali diante deles estava um personagem defendendo sua causa fazia esquecer o medo de errar, fazia perder o senso do que era ridículo ou não. Tudo valia a pena, tudo era possível para conseguir dizer o que o texto lido havia dito, sem no entanto, ter acesso a ele.

“Do jeito que a gente faz é muito bom. Eu hoje me sinto mais aberta para fazer teatro, para fazer esse teatro que a gente faz aqui. Dá pra ter confiança,, a gente esquece que tá mostrando coisas e só faz e pronto”.
Lúcia (17 anos)
(Informação verbal)

A FALTA DE CONSCIÊNCIA CORPORAL E HABILIDADE COM O CORPO CÊNICO

“Importância deve ser dada à condição do corpo na cena. O corpo deve parecer sem peso, tão maleável quanto o plástico aos impulsos, tão duro quanto o aço quando atua como suporte submisso à condição de base para outros objetos”.
(GROTOWYSKI, 1995, p. 87)

Para compor personagens e identificar subtextos durante o momento IV (produção de encenação), oferecemos aulas de expressividade corporal. Trabalhávamos aquecimento corporal, técnicas de alongamento, de fortalecimento de musculaturas e técnicas de instrumentalização para composição de partituras e ações físicas motivando a construção de corpo cênico vivo e expressivo. Um dos exercícios da Análise Ativa era tentar dizer com o código corporal o que o texto diz com o código das palavras, este exercício conseguiu resultados muito satisfatórios na construção criativa de partituras corporais para a cena.

“Os exercícios de corpo doeram um pouco, mas foram legais. Hoje fiz vários movimentos que achei bonitos, tal... a gente também pode dar diferença de personagem também no corpo e não só com a voz diferente. Gosto do trabalho de corpo”.
João (16 anos)
(Informação verbal)

A FRAGILIDADE DAS COMPOSIÇÕES VOCAIS

“Atenção especial deve ser prestada ao poder de emissão da voz de modo a que o espectador não apenas escute a voz do ator perfeitamente, mas seja penetrado por ela como se o som fosse um composto estereofônico”.
(GROTOWYSKI, 1995, p. 99)

A metodologia Espiral em seu momento III propunha a leitura dramática do texto para um público, neste momento foi possível fortalecer apenas a expressividade vocal, oferecendo aulas para esclarecer acerca da produção do som, assistindo “exemplos” de atores que exploram com maior facilidade as expressividades vocais e experimentando possibilidades de exploração e composição de timbres e registros diferentes para a composição de novas vozes que interessassem ao personagem que estava sendo composto.

O Método da Análise Ativa aliado à Metodologia Espiral constitui então um sistema que satisfaz o processo de aprendizado em teatro educação. Articula teoria e prática, fundamenta a criação através dos estudos teóricos, inclui o estudo do texto dramático no programa, desenvolve habilidades corporais e vocais e instrumentaliza o senso crítico. É preciso entender, entretanto, que toda metodologia precisa ter o cuidado de quem a manipula para com sensbilidade atingir os objetivos desejados. As mudanças, além de registradas em entrevistas era possível ser vista nas composições em aula e na cena “Água Viva” representada por Val. Fica uma boa sugestão para os educadores de teatro que estejam procurando orientar seu caminhos metodológicos que busquem alcançar os mesmos objetivos que têm estas metodologias aliadas.
Neste segundo ano de atividades, pudemos conquistar diversos avanços na pesquisa. Conseguimos sistematizar reflexões muito importantes para nós enquanto educadores, e para os colegas arte-educadores que estiverem interessados no assunto. A experiência com o Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes foi muito importante para conseguir os avanços nas descobertas, a teoria é sempre uma reflexão da prática. A construção do solo com texto de Clarice Lispector foi, para nós, uma grande realização, uma cena sensível, física, permeada de imagens delicadas e questionadoras, que levou à cena todos os princípios que viemos construindo aolongo destes anos de trabalho. Val é uma atriz-aluna dedicada, e ela tem muito potencial: sua força, sua sede de querer fazer bem, sua entrega, sua vitalidade são pontos altos da interpretação de seu solo dramático.
Exercitar a identificação do subtexto é sim uma saída para aperfeiçoar a capacidade de entendimento de mundo do indivíduo. Era notória a diferença apresentada pelo grupo ao longo do trabalho, eles mesmos se diziam mais “espertos”, atentos, tentando sempre compreender as mensagens subliminares da comunicação.

“Depois de tudo que a gente vem fazendo, às vezes eu olho pra uma propaganda e me pergunto: o que é que eles querem com isso?”.
João (16 anos)

ÁGUA VIVA.

Para uma Clarice, uma cena clara
Durante o período de atividades no Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes, não conseguimos aplicar integralmente a “Metodologia Espiral do Texto à Cena”, caminho metodólogico criado na pesquisa de 2004 e que estava sendo testado e posto em prática neste segundo ano de investigação. A metodologia é composta de seis passos ou momentos distintos e segue descrita abaixo segundo o relatório final da pesquisa IC 2004/2005, com orientação do professor Sérgio Farias.

MOMENTO I
Leitura Individual em casa (primeiro contato do educando com o texto daramático)

MOMENTO II
Leitura do texto dramático (livre leitura do texto entre os educandos)

MOMENTO III
Leitura Dramática do texto teatral para um público (envolve a divisão e elaboração de personagens, interferências com Luz e Trilha Sonora, apresentação em sala de espetáculo)

MOMENTO IV
Produção de Encenação com texto lido (montagem com signos cênicos do texto que está sendo estudado, também em sala de espetáculo e para um público)

MOMENTO V
Análise e conclusões do grupo como espectador de si mesmo (debate interno sobre a encenação, como espectadores, ainda que tenham sido os artistas da obra encenada. Elaboração de conclusões acertadas em debate)

MOMENTO VI
Produção de um outro texto dramático pelo grupo (este segundo texto parte do primeiro, e inclui as conclusões acertadas no debate sobre a recepção da encenação da obra anterior)
Por conta do calendário escolar, algumas dificuldades foram impostas de modo que a idéia de montar o texto "A história é uma istória(...)" de Millôr Fernandes deu lugar à construção da cena "Água Viva", um solo com texto de Clarice Lispector. A aluna que executou o solo foi Val. Segue abaixo uma análise sobre a aplicação do Metódo Espiral, criado pelo grupo de pesquisa, conjugado com a aplicação do Método de Análise Ativa, criação de Stanislavski, tendo como matriz guia a articulação da recepção com a expressão da arte.




Figura 5 - Val se prepara para começar mais um ensaio de seu solo.

MOMENTO I
Leitura Individual em casa

Assim que foi escolhido o texto de Clarice, com título de "Água Viva", fomos mais uma vez a campo, para trabalhar apenas com uma aluna, Valdimeire Nunes, 17 anos, concluinte do Ensino Médio em 2005, que pretende pleitear vaga para ingressar na Escola de Teatro da UFBA e seguir carreira como atriz. Num segundo encontro, após ter recebido e lido em casa o texto Val exercitou analisar ativamente o texto e disse:

“Ela procura respostas na questão de... por quê?... São os vários porquês da vida. Questiona com Deus o por quê de morrer”.

(Informação verbal)

Ao pedirmos que fossem eleitas 5 palavras do texto, Val elencou:

“Deus, Cruel, Alegria, Insulto, Porquê”.

(Informação verbal)

Neste primeiro momento já foi possível identificar palavras-força e princípios que o texto ofereceu para a leitora-artista, que a partir desta recepção vai fundamentar a expressão que desencadeará a montagem da cena. Um primeiro exercício de Análise Ativa (identificar palavras-força no texto, e tentar dizer o que o texto traduz) já oferecia elementos para a montagem da cena. Chegava ao fim a primeira e mais curta fase do caminho Metodólogico Espiral.

MOMENTO II
Leitura do texto dramático em grupo

Este segundo momento, também curto, consistiu em exercitar a leitura com a atriz-educanda-sujeito e o grupo de pesquisa. A proposta era que Val fizesse a leitura livre do texto para que o núcleo de pesquisa ouvisse. E a partir daí começamos a fazer experimentos pertinentes ao Método da Análise Ativa: traduzir o texto corporalmente (rendeu à montagem um repertório rico de partituras físicas); a elaboração de uma carta da personagem do texto (sugestão dada por Stanislavski em seus textos sobre o método); a redação de uma carta resposta de Deus para a personagem do texto; análise com improvisação do texto em cena quando o texto ainda não havia sido memorizado, entre outras atividades.
Esta fase do Método Espiral foi rica no que se refere a oferecer elementos, matéria-prima para a montagem da cena.

MOMENTO III
Leitura Dramática do texto ao público

Nesta fase já haviamos coletado bastante material para a cena, inclusive identificado juntos os subtextos, as mensagens subliminares para guiar a direção das inflexões que seriam dadas na interpretação. A criação da voz partiu de sentimentos que a própria Val atribuiu à personagem. A voz devia atender à dor, densidade, e amargura da revolta expressa pelas palavras do texto. A trilha sonora já estava definida, inclusive com os momentos em que as canções apareciam ao longo da cena. Com todos estes elementos fomos à Leitura Dramática realizada na escola de Teatro para alunos do curso de Licenciatura em Teatro. A receptividade contribuiu com a cena, os comentários foram muito enriquecedores e no discurso da platéia apareceram palavras como: angústia, conflito, caos, confusão, dor, desespero, comentários que renderam uma irrigação no imaginário tanto do grupo de pesquisa como em Val, intérprete da cena.

MOMENTO IV
Produção da Encenação do texto

A proposta da encenação do texto "Água Viva" foi concebida por nós, pois este plano de trabalho na equipe de bolsistas PIBIC, era o plano que continha a responsabilidade da encenação. Esta proposta parte do princípio de usar a recepção como inspiração para a expressão, a participação da atriz-criadora- sujeito da pesquisa é então, fundamental e necessária. O Metódo de Análise Ativa foi um instrumento determinante para a composição da cena.
Os princípios conceituais para a montagem eram: trabalho com partituras físicas para o desenvolvimento das marcas usando traduções físicas de metáforas, imagens do texto e palavras que traduzissem as idéias-força identificadas pela atriz; construção do "corpo" da personagem observando as caracterizações feitas por Clarice durante o texto e por Val durante o processo de coleta de material cênico; construção da voz da personagem numa exploração de timbres e registros que traduzissem os aspectos psicológicos da persona, aliada à composição de uma máscara biológica para caracterizar o semblante e a expressão neutra (ponto zero) que representa como se comportam as musculaturas faciais da personagem em cena. Todos estes elementos citados acima nortearam a direção de ator e composição da encenação.


Figura 6 - Val em cena. A montagem resultado foi representada no Seminário Interno de Pesquisa da Escola de Teatro e no projeto Ato de 4.

No palco uma lâmpada presa dentro de uma gaiola, sistema simbólico que representa o Deus do texto: iluminado e de trevas, repressor e reprimido. No chão um tapete branco permeado pelas palavras do texto escritas em preto. A caracterização da personagem... descalça, uma calça tipo pescador e uma bata, brancas, leves, limpas, puras; cabelos presos em trança, amarrados, atados em nó e uma maquiagem pesada com tons escurecidos, densos, ampliando os traços naturais do rosto da atriz. Estes conceitos foram concebidos e justificados durante os exercícios de Análise Ativa, em que a atriz expunha os seus Sentidos Expressos, sua opinião sobre o texto, o que oferecia elementos para a composição da encenação.
O processo de montagem durou um mês e meio, e a cena está pronta para ser apresentada nos mais diversos lugares.

MOMENTO V
Análise e conclusões da artista como espectadora de si mesma

Depois de realizada a estréia o Núcleo de Pesquisa em conjunto com Val fez a análise do processo como um todo e a partir das conclusões tiradas a tarefa foi construir um novo texto que tivesse como referência as conclusões que surgiram e não o texto encenado.

MOMENTO VI
Produção de um outro texto dramático

Para visualizar o processo de desenvolvimento da pesquisa, segue o texto "Água Viva" de Clarice Lispector, usado na encenação, bem como o texto "Não Diga..." de Valdimeire Nunes, produzido neste último momento da metodologia.

ÁGUA VIVA

Há palavras proibidas e eu corro perigo como toda pessoa que vive. Mas eu denuncio. Denuncio nossa fraqueza, denuncio nosso horror alucinante de morrer, e respondo a toda essa infâmia com alegria. Levíssima e puríssima alegria.
Não faz sentido? Pois tem que fazer! Porque é cruel demais saber que a vida é única e que não temos como garantia senão a fé em trevas. Porque é cruel demais, então respondo com a pureza de uma alegria indomável. Recuso-me a ficar triste. Sejamos alegres.
Eu apesar de tudo, estou sendo alegre neste instante, já, que passa se eu não fixá-lo com palavras. Estou sendo alegre nesse instante porque me recuso a ser vencido. Então eu amo. Como resposta. Amor impessoal é alegria: mesmo o amor que não dá certo. Mesmo o amor que termina.
Não vou morrer, ouviu, Deus? Não tenho coragem, ouviu? Porque é uma infâmia nascer para morrer não se sabe como, não se sabe quando, não se sabe onde. Vou ficar muito alegre, ouviu, Deus? Como insulto. Como resposta. Eu preciso entender isso enquanto estou vivo, porque depois será tarde demais.

O texto de Val não partiu exatamente de "Água Viva", e sim das conclusões tiradas sobre a recepção de Val acerca do seu próprio trabalho de encenação. Entretanto em grande medida um texto se conecta ao outro, como pode ser visto aqui. Como subtextos de “Água Viva”, Val identificou a angústia da personagem, a revolta que a faz discutir com Deus, críticas sociais e ideológicas. Val apresentava interesse particular pelo texto de Lispector o que fornecia elementos para desenvolver com maior paixão a sua composição da cena. O domínio afetivo mobilizando a expressão da arte. Através destas identificações de subtexto, recepção, Val construiu o seu texto. É o sistema recepção-expressão a que este plano de trabalho se prpunha investigar, comprovando que é possível usar a recepção para fomentar e fundamentar a expressão. Segue o texto:

NÃO DIGA...

Toda essa imensidão obscura e cruel não pode estar certa. A vida não se resume à morte (eu não aceito).
Não saber viver dói e ter como destino de todos a morte dói e, dói porque vivo e todos que vivem sofrem e sentem a dor...
Amar é uma dor, mas é dor diferente que motiva a gente a viver.
Viver é uma dor, mas é dor diferente que leva a gente a morrer.
Alegro-me em saber, pelo menos uma vez, ter amado, mesmo que o amor não tenha durado, mas dentro de mim levo uma marca por ter amado.
Eu não posso aceitar a maldade de Deus em ter nos dado a vida e querer nos levar dela.
Eu não aceito, viu, Deus?
Eu não posso, ouviu, Deus?
Eu não quero entender o porquê fazes isto com a comunidade. Saiba que não somos Fantoches. Eu não sou seu fantoche. E não vou morrer! Não diga... Eu não vou ouvir, mais uma vez, que é só você que pode. Pois saiba que o poder não é tudo, viu, Deus? Maior que o poder de fazer nascer ou fazer morrer, é o meu querer, a minha vontade de viver... E eu não vou te ouvir mais. Não vou cumprir as tuas ordens mais... Por que, Deus, és assim? Que Deus és tú? Não diga... Eu não vou ouvir.
Figura 7 - Ensaio da cena-resultado com Val para mostra, em cena os elementos trabalhados ao longo da pesquisa para a composição da encenação.

Fica clara a relação de um texto com o outro, as palavras recorrentes, a temática igual, a estrutura narrativa, a construção das questões, tudo. O texto de Val entretanto toca num ponto: o amor. Este elemento se difere do texto original e avança na discussão da personagem com Deus. No segundo texto a relação de discussão da personagem com Deus já se estabelece desde o primeiro momento, enquanto no fragmento do texto de Clarice, isso não acontece. Nossa hipótese foi testada. Com o Método Espiral para inclusão do texto à aula de Teatro-educação, é possível sim estabelecer em aula um estudo mais aprofundado do texto, principalmente se este estudo estiver aliado ao Método de Análise Ativa que tão bem instrumentaliza os educandos no sentido de criar uma autonomia crítica e fundamentar caminhos de análise do texto-mundo, conclusões tiradas pelos próprios alunos que passarão pelo processo e principalmente por Val que pôde vivenciar a passagem pelas seis fases do Método.

“Pra mim foi muito importante. Tô observando mais o meu corpo, as coisas na rua, na vida, coisas que eu não percebia e tô passando a perceber. Exercitar essa cena mexeu muito comigo, com minha cabeça. Muito bom!”.


Valdimeire Nunes

ANÁLISE ATIVA E IDENTIFICAÇÃO DE SUBTEXTO

Analisando e apreendendo ativamente o texto-mundo

No que se refere ao método, Stanislavski, encenador e pedagogo que influenciou tanto o fazer teatral como as práticas de formação de ator, não dispôs de tempo para desenvolve-lo com a clareza com que havia descrito elementos anteriores de sua prática para estudos da interpretação. São poucas as referências encontradas em sua obra com tradução para o português. Portanto este método foi muito mais aplicado, aprofundado e desenvolvido por seguidores do mestre Stanislavski. Entre eles, um de seus atores, o artista russo Eugênio Kusnet, que foi um dos pilares para a fundamentação teórica deste projeto. Kusnet era professor de teatro e ator profissional, tendo trabalhado no Brasil, dentre outros grupos, no Teatro Oficina sob a direção de José Celso Martinez Correa. Suas investigações renderam três obras publicadas: Iniciação à arte dramática; Introdução ao Método de Ação Inconsciente; e Ator e Método, sendo esta última obra que utilizamos como referência. Kusnet foi um dos responsáveis pela difusão do Método “stanislavskiano” para o ator do teatro realista-naturalista, principalmente. Em Ator e Método, o autor faz um apanhado de toda a sua trajetória como professor de teatro, e, acerca da “Análise Ativa”, define:

“Em que consiste o método da análise ativa? Como diz o próprio termo, é uma maneira dos atores analisarem o material dramatúrgico. Analisá-lo em ação, ou seja, procurar compreender a obra dramática através da ação praticada pelos intérpretes dos papéis na base de conhecimentos superficiais da peça, e não na base de grandes estudos cerebrais”.
(KUSNET, 1987, p. 98)

A leitura de um texto (texto Lato sensu: verbal, visual, sonoro) é uma operação cognitiva dotad a de um alto grau de complexidade. Os caminhos (canais) para que se estabeleça uma comunicação são os mais imprevisíveis possíveis e as possibilidades da existência de ruídos durante o processo de comunicação podem comprometer a chegada da mensagem até o receptor. Em 2004, a pesquisa desenvolvida por este mesmo núcleo de Iniciação Científica, conseguiu identificar diversos problemas de “ruído” na recepção do texto dramático por grupos de jovens artistas em comunidades e escolas. Em campo era possível perceber “faltas” graves na apreciação das peças (literatura), como por exemplo: a dificuldade de articular o pensamento e traçar uma linha de raciocínio durante a leitura; o aluno sabe decodificar as letras e palavras, mas apresenta dificuldades para compreensão geral do texto; a dificuldade de identificar o objetivo do dramaturgo a cada cena criada, dada a complexidade da narrativa que dá total autonomia para os personagens, muitas vezes sem oferecer referências épicas para o leitor como meio de explicação de como a história se desenrola; a presença latente de mensagens subliminares que nas entrelinhas dificulta a compreensão; a falta de familiaridade com o texto dramático, pois muitos dos estudantes de teatro em escolas e em instituições não-formais, sequer leram uma peça de teatro antes, dando a impressão inclusive de que se o texto tivesse uma outra estrutura narrativa, o enredo poderia ter sido melhor compreendido.
Stanislavski chega a escrever que o subtexto é o “ponto principal de qualquer criação cênica”. Acerca do Subtexto, ainda escreve:

“A parte mais substancial de um subtexto está, nas idéias (...) nele implícitas, e que transmitem a linha de lógica e coerência de forma clara e definida. (...) As palavras são parte (...) da corporificação externa da essência interior de um papel (...). Subtexto é tudo aquilo que o ator estabelece como pensamento do personagem antes, depois e durante as falas do texto”.
(STANISLAVSKI, 1997, p. 175 e 176)
Figura 4 - Grupo em aula, identificação do subtexto e transformação desta informação em imagem corporal, meio para fazer emergir mensagens subliminares.

Exercitar a identificação do subtexto num texto qualquer, significa exercitar o entendimento das motivações que o emissor da mensagem teve para configurar aquela mensagem. Exercitar a identificação de qualquer subtexto, fazendo com que o indivíduo consiga transformar essa identificação, essa recepção numa expressão de arte, é potencializar sua compreensão da vida e do mundo. Sobre o subtexto, conceitua Pavis:

“SUBTEXTO. Aquilo que não é dito explicitamente no texto Dramático, mas que se salienta da maneira como o texto é representado pelo ator. O subtexto é uma espécie de comentário efetuado pela encenação e pelo jogo do ator, dando ao espectador a iluminação necessária à boa recepção do espetáculo.
Esta noção foi proposta por Stanislavski (1963, 1966), para quem o subtexto é um instrumento psicológico que informa sobre o estado interior da personagem, cavando uma distância significante entre o que é dito no texto e o que é mostrado pela cena. O subtexto é o traço psicológico ou psicanalítico que o ator imprime à sua personagem durante a atuação.
Embora esteja na natureza do subtexto não se deixar apreender completamente podemos nos aproximar da noção de discurso da encenação: o subtexto começa e controla toda a produção cênica, impõe-se mais ou menos claramente ao público e deixar entrever toda uma perspectiva inexpressa no discurso, “uma pressão por trás das palavras” (PINTER). É útil distinguí-lo da sub-partitura (partitura)”.
(PAVIS, 2005, p 368)

Em entrevista realizada em campo com alunos de teatro do Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes perguntamos: “o que é subtexto?”

“É você realizar uma ação, só que nessa ação você pensa em alguma coisa”.
Lúcia (17 anos)
“Subtexto é a emoção que motiva o personagem a fazer determinada coisa”.
João (16 anos)
“Seria uma emoção que motiva a ação. Uma coisa que está subtendida no texto e você tem que descobrir”.
Joana (15 anos)
(Informação Verbal)

Só através destas respostas que foram obtidas ainda na primeira semana de atividades em campo, foi possível perceber que os alunos em certa medida já entendiam o conceito, e a partir de então demos início à aplicação dos exercícios pertinentes à “análise ativa”, muito embora todos estes alunos tenham tido pouco contato com dramaturgia (poucos deles leram apenas duas ou três peças de teatro, enquanto outros sequer tiveram contato com um texto teatral). Antes de aplicar o método era preciso compreender que nenhuma mensagem é ingênua, que toda comunicação tem uma motivação, um subtexto, para existir. E no caso de um texto dramático, o subtexto não é apenas um motivador do texto, pois como trata-se ali de seres humanos (personas), o subtexto torna-se a subordinação do texto à construção da personagem. E mais, que era preciso articular os desejos da personagem durante toda a história como motivadores de seus textos, desejos esses que podem mudar e isso interfere em toda a análise que está sendo feita.
Na tentativa de buscar soluções possíveis para as dificuldades observadas em campo em 2004, foi feita a opção de que o objeto de estudo para o próximo módulo de atividades fosse uma metodologia que conseguisse não só incluir o estudo do texto dramático nas aulas de teatro, como havia sido feito, mas que pudesse também instrumentalizar estes jovens no intuito de facilitar a compreensão da estrutura dramática e do próprio texto dramático. Identificadas estas necessidades, escolhemos para investigar o Método da Análise Ativa.
Analisar ativamente é analisar sensivelmente e espontaneamente. A “análise ativa” privilegia a inteligência emocional e o aprendizado a partir da prática, pois estimula o indivíduo a apreender o conhecimento através da reprodução e improvisação, percebendo o quanto o texto já havia intuitivamente sido absorvido, ainda que tenha sido feita apenas uma leitura dele.
O corpo é, além de uma ata de registro de nossas vivências, um canal possível para a recepção numa comunicação, além de ser veículo de expressão das mais variadas mensagens. Compreender um texto com o corpo é um caminho possível. Dentre outras maneiras de aplicação do método, talvez a mais simples seja pedir ao aluno, depois de ter lido uma única vez um texto, que ele o reproduza fisicamente para que a turma possa apreciar. Sobre a linguagem corporal, diz Pierre Weil: “Pela Linguagem do Corpo, você diz muitas coisas aos outros. E eles têm muitas coisas a dizer pra você. Também nosso corpo é antes de tudo um centro de informações para nós mesmos” WEIL E TOMPAKOW (1996, p. 07). Dialogando com o texto de Weil, sobre a importância do corpo no método da Ánalise Ativa, diz Kusneti: “O método da análise ativa, para Stanislavski, permite ao ator incluir no processo de análise não somente o seu cérebro, como também o seu corpo” (KUSNET, 1987, p. 102).
Analisar ativamente é improvisar, é libertar-se de amarras psicologizantes, textocentristas e exercitar a livre fluência da comunicação, o texto transforma-se em simples código, deixando que a análise o liberte do seu significado, recodificando-o. Como cita o próprio Kusnet: “A improvisação é a base da criação em todas as artes” (KUSNET, 1987, p. 98).
Neste sentido, o Método da Análise Ativa permite que se possa chegar ao subtexto de um texto, utilizando outras estratégias que não a análise puramente lógica e ou psicológica da personagem, com ela é possível compreender qualquer texto por outras vias, numa tentativa de fundir as noções cindidas de razão e emoção.

Um estudo de caso no Colégio Manoel Novaes

Um estudo de caso para fundamentar o conhecimento – relato de experiência

As atividades do projeto de Iniciação Científica 2005 - 2006 começaram, como havia sido previsto pelo cronograma, com as leituras acerca dos conhecimentos que geraram o foco definido para o desenvolvimento da investigação em campo: a identificação do subtexto, elemento da Análise Ativa.
Figura 2 - Fachada do Colégio Deputado Manoel Novaes.

As referências principais foram: Stanislavski, estudioso da arte teatral, encenador, e pedagogo, idealizador de uma poética na interpretação que conseguisse arrebatar o ator, e, por conseguinte, o público, sob a luz da emoção conseguida através do minucioso estudo da partitura dramática; e Eugênio Kusnet, ator russo e autor do livro “Ator e Método”, importante na difusão-aplicação e sistematização dos ideais “stanislavskianos” no Brasil.
Feitas as leituras, o grupo de pesquisa se reuniu para discutir a importância do projeto e as referências que haviam sido consultadas. Entre outras questões abordadas pudemos esclarecer princípios que puderam nos remeter à ligação que pretendíamos fazer dos resultados deste projeto com a área de teatro-educação. Discutimos que, se partirmos do pressuposto de que toda informação é um texto e todo texto, antes de elaborado, tem uma motivação para a sua elaboração, fica claro o quanto é importante para o cidadão, homem, consciente e preocupado com os caminhos do desenvolvimento social, saber identificar estas motivações que são geradoras de um mundo-texto. Nenhuma mensagem é ingênua. Toda comunicação estabelece uma ligação entre um emissor e um receptor, tem uma motivação, um subtexto, e se partimos para a sala de aula para discutir e instrumentalizar os educandos na busca dos subtextos de nossa dramaturgia, estaremos não só instrumentalizando o estudante de teatro para o teatro, mas também para o convívio social.
Em campo fomos recebidos com muita hospitalidade pelo Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes. O contato foi estabelecido através da professora Andréia Andradeoum subtexto.subtexto. Eas, que coordena as oficinas de teatro realizadas no espaço. Como ela estava de licença para realizar os estudos do Mestrado, fizemos o acordo de assumir o grupo da manhã, com o qual ela não poderia trabalhar até o fim do ano letivo de 2005. A nossa disposição foi colocada uma sala e uma pequena biblioteca do grupo. Grupo composto por 14 jovens do Ensino Médio que estudam no turno vespertino e freqüentam a oficina de teatro no turno matutino. Concluídas as negociações fomos a campo.
No primeiro contato aproveitamos o espaço para apresentar o projeto de pesquisa e a equipe de 3 pesquisadores. Numa grande troca, foi aplicado um jogo dramático para que pudéssemos nos conhecer melhor, neste jogo os estudantes cantaram, falaram algumas histórias de suas vidas com teatro e família, declamaram poesias, entre outras coisas. Para finalizar lemos um texto, um conto. O jogo consistia em cada um ler um parágrafo do conto, e terminada a leitura cada um devia reproduzir uma parte da história até que o enredo tivesse sido contado por completo por todos juntos. Isso é um procedimento do Método da Análise Ativa.
A partir deste dia, começamos os encontros ordinários as segundas e sextas das 10 horas da manhã às 12 horas. Enquanto isso, decidíamos sobre qual o texto a ser trabalhado, e depois de muito debater chegamos finalmente a Millôr Fernandes, uma peça que se chama “A história é uma istória - e o homem é o único animal que ri”.
Discutimos bastante para escolher o texto que seria estudado, mas foi consenso que ele deveria atender as seguintes expectativas: atualidade quanto à temática abordada, ser escrito por um autor nacional, proximidade com a linguagem dos educandos e potencialidade para identificação dos subtextos. O texto escolhido, para nossa satisfação, atendia a todas as necessidades.
“A história é uma istória (...)” é uma comédia que conta como se aprende mal na escola a história mundial. Desmistifica várias curiosidades e sensos-comuns formados ao longo da vida e assume uma postura humana diante da construção de personalidades históricas que se tornaram cânones nos ditames de valores para a sociedade.
Durante a escolha do texto a equipe de pesquisa ofereceu um módulo de oficinas onde foram incluídas diversas atividades de preparação do ator, que envolviam desde exercícios de práticas da expressividade corporal até estudos de mesa e aplicação de análises ativas de textos curtos. Depois da escolha começamos a oferecer material didático para subsidiar o entendimento do texto de Millôr, este material se propunha a questionar e avaliar a história com um olhar menos crítico que o olhar do dramaturgo.
Figura 3 - Grupo de Trabalho em campo, alunos do Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes.

Por conta do tempo que tínhamos, acabamos não produzindo uma encenação, mas em compensação fizemos vários exercícios do Método da Análise Ativa, o que rendeu diversos produtos, além da produção de textos dramáticos e a coleta de dados através de entrevista.
Logo na primeira semana, fizemos um levantamento de quantos deles já haviam lido um texto dramático. Cinco dos quatorze participantes haviam lido ao menos uma peça, um aluno já havia lido duas, e um outro aluno havia lido três peças de teatro. Todos os nomes apresentados abaixo são fictícios, o objetivo é preservar a identidade dos participantes de qualquer opinião ou imagem que se faça dos mesmos, a partir deste relatório, e que em alguma medida constranja ou denigra os valores morais dos sujeitos envolvidos. Ao serem solicitados para responderem, a um questionário escrito, à pergunta: “o que é dramaturgia?” eles responderam:

“Dramaturgia é a arte de interpretar, dramatização, interpretação no teatro”.
Vera18 anos)
“É um dom que possibilita o indivíduo criar peças de teatro. Também ajuda pessoas que gostam de escrever peças dramáticas a terem noção de que fatos está tentando passar em suas peças”.
Lúcia (17 anos)
“É unir toda a emoção e desenvoltura de um grupo ou uma pessoa e concentrar num ato, além de produzir textos, etc”.
Maria (17 anos)
“Dramaturgia seria um texto de teatro específico para os atores trabalharem”.
Joana (15 anos)
(Informação Verbal)

Como se pode perceber nas falas, alguns conceitos ainda estavam pouco sólidos para alguns deles, entretanto esta foi a primeira entrevista escrita, nela pudemos identificar também uma dificuldade dos alunos em escrever. De modo geral eles conseguem uma expressão mais clara quando falam apenas, as entrevistas entregues apresentavam diversos erros gramaticais, que nos permitimos discutir com eles. Estes erros, no entanto, não atrapalharam no entendimento global das respostas e textos produzidos.
Quando perguntados sobre os motivos que os levaram a participar do grupo de teatro, eles responderam (outra entrevista escrita):

“Eu comecei a fazer teatro em outro colégio, meio por impulso, mas aí me apaixonei e não parei mais de fazer teatro”.
Joana (15 anos)
“O teatro é muito importante para mim, me tornou mais espontânea, me mostrou um lado do mundo que eu não conhecia, e me provou que sou capaz de realizar um bom trabalho”.
Joaquina (14 anos)
“Falar sobre mim é um pouco complicado talvez por eu ser um pouco complicado. Estou participando do grupo pois ele me trará conhecimentos indispensáveis há uma pessoa como eu, que quer aprender desta arte e poder expressar tais sentimentos em resultados gratificantes”.
João (16 anos)
“Eu precisava descobrir uma maneira de me comunicar com as pessoas, sem sentir medo de não ser aceita pela sociedade. Não conseguia olhar nos olhos de ninguém. Hoje depois de dois anos acho que consigo me envolver em qualquer grupo”.
Lúcia (17 anos)
“Eu era uma pessoa retraída, às vezes tímida e foi por isso que entrei para o teatro. Acabei me apaixonando pela arte de interpretar e achei que fui uma boa atriz e que tive boas idéias”.
Vera (18 anos)
(Informação verbal)

A coleta destas respostas foi definitiva para que pudéssemos perceber, mesmo que superficialmente, o papel que o teatro tem para cada um deles. A importância que cada um atribui ao teatro. E de um modo geral fica clara a presença do domínio afetivo, a forma apaixonada como cada aluno enxerga o teatro salta aos olhos, o que torna o trabalho da pesquisa tão delicado e sensível.