terça-feira, 8 de setembro de 2009

RESULTADOS

Reflexões dos processos comportamentais dos sujeitos diante dos caminhos metodólogicos propostos na pesquisa para o teatro-educação

Durante a interferência em campo, pudemos evidenciar elementos que puseram à prova nossa proposta metodológica. Aliar a Metodologia Espiral ao Método da Análise Ativa é um processo metodológico que pode instrumentalizar o educador que tenha como objetivo despertar em seu educando o valor do poético e do sensível, da habilidade de dar respostas, de organizar idéias e de analisar o texto-mundo.
A metodologia Espiral, criada pelo núcleo de pesquisa IC sob orientação do professor Sérgio Farias, teve como objetivo articular conteúdos práticos e teóricos no processo de montagem de um espetáculo didático, contemplando o estudo do texto e o desenvolvimento da cena. O Método da Análise Ativa tem um de seus componentes a construção simbólica da criação de um personagem envolvendo elementos como: condicional se, circustâncias propostas, sentimento de verdade, unidades e objetivos, ações físicas, etc[1]. Essas duas metodologias aliadas promovem no educando o desenvolvimento do sensível, do racional e das habilidades corporais, respectivamente dos domínios afetivo, cognitivo e psico-motor. Isso pode ser avaliado ao longo da fase de campo através da aplicação de entrevistas e questionários semi-estruturados. A palavra “metodologia” pode parecer um conceito caro, fechado, sisudo, entretanto a proposta da pesquisa não era o de pretender que esse caminho metodológico fosse universal, mas demonstrar que este é um caminho possível para instrumentalizar os planos de ensino dos educadores em teatro-educação.
No Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes, no início das atividades pudemos identificar através da aplicação de questionários, entrevistas e da observação que: o grupo era muito jovem, formado por alunos do Ensino Médio; todos já haviam tido alguma experiência com teatro, ainda que numa escala pequena de tempo; conheciam pouco acerca das teorias do teatro, pois as atividades de oficina privilegiavam o fazer teatral à contextualização histórica e até mesmo poética do Teatro; não haviam lido, ou haviam lido poucos, textos dramáticos; a relação com o grupo de teatro era uma relação afetiva, completamente emocional; havia sempre a expectativa da montagem de uma peça; e que a pouca experiência como teatro já conseguia fazê-los destinguir a linguagem teatral da televisiva ou cinematográfica.

“Estou no segundo ano fazendo teatro, ano passado foi legal, esse ano quero aprender mais e fazer uma boa peça”.
João (16 anos)
“Quero saber mais sobre teatro, como se faz, as peças que outras pessoas já fizeram de um teatro mais antigo”.
Lúcia (17 anos)
“Nunca li uma peça de teatro. Nem sei direito bem como é que se escreve uma”.
Joaquina (14 anos)

[1] Elementos propostos por Stanislavski ao longo de sua trajetória como diretor e pedagogo de Teatro.

“Eu era uma pessoa retraída, às vezes tímida e foi por isso que entrei para o teatro. Acabei me apaixonando pela arte de interpretar e achei que fui uma boa atriz e que tive boas idéias”.
Vera (18 anos)
“Teatro é diferente de televisão, é tudo ali na hora, TV não, os atores gravam, pode errar, e teatro é no palco. É tudo diferente”.
Joana (15 anos)

(Informação verbal)


Através da observação das oficinas de teatro conseguimos perceber, ainda no início das atividades: um pudor exagerado, motivado pelo medo de errar e pelo medo do ridículo, que impedia a liberdade de criação; a falta de consciência corporal e habilidade com o corpo cênico, deixando-o sem expressividade, sem autonomia, pela falta de uso de uma técnica específica que instrumentalizasse a criação da presença deste corpo em cena; a fragilidade das composições vocais, sem exploração das possibilidades oferecidas pelo aparelho fonador, por pura falta de treino e reconhecimento das potencialidades vocais; e a falta de conhecimento de causa para analisar um texto dramático, dada a falta de familiaridade com a estrutura literária. Identificadas as fragilidades, trabalhamos ao longo do curso em campo para observar em que medida a metodologia aplicada sanava ou melhorava estes aspectos durante o processo de ensino aprendizado, tanto para os sujeitos envolvidos, quanto para os pesquisadores. Segue a descrição das dificuldades encontradas com as devidas medidas tomadas ao longo deste processo visando a contribuição deste caminho metodólogico para a fruição do conhecimento e para o desenvolvimento dos domínios que formam a individualidade do ser como integrante do meio social:

POUCO CONHECIMENTO ACERCA DAS TEORIAS DO TEATRO
Os conteúdos previstos pelas metodologias adotadas contemplam fundamentações teórico e práticas, dando ao educando condições de conhecer melhor as teorias do teatro ao longo dos estudos de interpretação necessários à composição das personagens, e de conhecer melhor as teorias do drama para instrumentalizar a interpretação e análise dos textos dramáticos. Ao final do curso muito conteúdo havia sido trabalhado como: História do Teatro Ocidental, Composição de personagem, análise de texto, etc. Todos os conteúdos conectados com as propostas e caminhos das metodologias adotadas.

NÃO HAVIAM LIDO, OU HAVIAM LIDO POUCOS, TEXTOS DRAMÁTICOS
O texto de Millôr Fernandes e os textos dramáticos curtos de diversos dramaturgos, trabalhados em sala de aula, lidos individualmente em casa e lidos coletivamente no grupo contribuiram sensivelmente para que pudessem ser percebidas: a estrutura dramática, a composição de personagem, a divisão da estrutura em atos e cenas, a identificação de elementos como: argumentos, sinopses, nó, desenlace, etc. A identificação de subtextos e a análise ativa dos textos permitiram uma compreensão global das idéias do autor, que uma leitura simples não revela, contribuindo para a formação do senso crítico dos educandos.

O PUDOR EXAGERADO, O MEDO DE ERRAR E O MEDO DO RIDÍCULO
A análise ativa dos textos que previam arroubos e in sight em cena libertaram os educandos do pudor exagerado. Ter que analisar ativamente um texto, usando o corpo, improvisando um texto que havia sido lido apenas uma vez e convencer uma platéia de colegas que ali diante deles estava um personagem defendendo sua causa fazia esquecer o medo de errar, fazia perder o senso do que era ridículo ou não. Tudo valia a pena, tudo era possível para conseguir dizer o que o texto lido havia dito, sem no entanto, ter acesso a ele.

“Do jeito que a gente faz é muito bom. Eu hoje me sinto mais aberta para fazer teatro, para fazer esse teatro que a gente faz aqui. Dá pra ter confiança,, a gente esquece que tá mostrando coisas e só faz e pronto”.
Lúcia (17 anos)
(Informação verbal)

A FALTA DE CONSCIÊNCIA CORPORAL E HABILIDADE COM O CORPO CÊNICO

“Importância deve ser dada à condição do corpo na cena. O corpo deve parecer sem peso, tão maleável quanto o plástico aos impulsos, tão duro quanto o aço quando atua como suporte submisso à condição de base para outros objetos”.
(GROTOWYSKI, 1995, p. 87)

Para compor personagens e identificar subtextos durante o momento IV (produção de encenação), oferecemos aulas de expressividade corporal. Trabalhávamos aquecimento corporal, técnicas de alongamento, de fortalecimento de musculaturas e técnicas de instrumentalização para composição de partituras e ações físicas motivando a construção de corpo cênico vivo e expressivo. Um dos exercícios da Análise Ativa era tentar dizer com o código corporal o que o texto diz com o código das palavras, este exercício conseguiu resultados muito satisfatórios na construção criativa de partituras corporais para a cena.

“Os exercícios de corpo doeram um pouco, mas foram legais. Hoje fiz vários movimentos que achei bonitos, tal... a gente também pode dar diferença de personagem também no corpo e não só com a voz diferente. Gosto do trabalho de corpo”.
João (16 anos)
(Informação verbal)

A FRAGILIDADE DAS COMPOSIÇÕES VOCAIS

“Atenção especial deve ser prestada ao poder de emissão da voz de modo a que o espectador não apenas escute a voz do ator perfeitamente, mas seja penetrado por ela como se o som fosse um composto estereofônico”.
(GROTOWYSKI, 1995, p. 99)

A metodologia Espiral em seu momento III propunha a leitura dramática do texto para um público, neste momento foi possível fortalecer apenas a expressividade vocal, oferecendo aulas para esclarecer acerca da produção do som, assistindo “exemplos” de atores que exploram com maior facilidade as expressividades vocais e experimentando possibilidades de exploração e composição de timbres e registros diferentes para a composição de novas vozes que interessassem ao personagem que estava sendo composto.

O Método da Análise Ativa aliado à Metodologia Espiral constitui então um sistema que satisfaz o processo de aprendizado em teatro educação. Articula teoria e prática, fundamenta a criação através dos estudos teóricos, inclui o estudo do texto dramático no programa, desenvolve habilidades corporais e vocais e instrumentaliza o senso crítico. É preciso entender, entretanto, que toda metodologia precisa ter o cuidado de quem a manipula para com sensbilidade atingir os objetivos desejados. As mudanças, além de registradas em entrevistas era possível ser vista nas composições em aula e na cena “Água Viva” representada por Val. Fica uma boa sugestão para os educadores de teatro que estejam procurando orientar seu caminhos metodológicos que busquem alcançar os mesmos objetivos que têm estas metodologias aliadas.
Neste segundo ano de atividades, pudemos conquistar diversos avanços na pesquisa. Conseguimos sistematizar reflexões muito importantes para nós enquanto educadores, e para os colegas arte-educadores que estiverem interessados no assunto. A experiência com o Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes foi muito importante para conseguir os avanços nas descobertas, a teoria é sempre uma reflexão da prática. A construção do solo com texto de Clarice Lispector foi, para nós, uma grande realização, uma cena sensível, física, permeada de imagens delicadas e questionadoras, que levou à cena todos os princípios que viemos construindo aolongo destes anos de trabalho. Val é uma atriz-aluna dedicada, e ela tem muito potencial: sua força, sua sede de querer fazer bem, sua entrega, sua vitalidade são pontos altos da interpretação de seu solo dramático.
Exercitar a identificação do subtexto é sim uma saída para aperfeiçoar a capacidade de entendimento de mundo do indivíduo. Era notória a diferença apresentada pelo grupo ao longo do trabalho, eles mesmos se diziam mais “espertos”, atentos, tentando sempre compreender as mensagens subliminares da comunicação.

“Depois de tudo que a gente vem fazendo, às vezes eu olho pra uma propaganda e me pergunto: o que é que eles querem com isso?”.
João (16 anos)

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