terça-feira, 8 de setembro de 2009

Um estudo de caso no Colégio Manoel Novaes

Um estudo de caso para fundamentar o conhecimento – relato de experiência

As atividades do projeto de Iniciação Científica 2005 - 2006 começaram, como havia sido previsto pelo cronograma, com as leituras acerca dos conhecimentos que geraram o foco definido para o desenvolvimento da investigação em campo: a identificação do subtexto, elemento da Análise Ativa.
Figura 2 - Fachada do Colégio Deputado Manoel Novaes.

As referências principais foram: Stanislavski, estudioso da arte teatral, encenador, e pedagogo, idealizador de uma poética na interpretação que conseguisse arrebatar o ator, e, por conseguinte, o público, sob a luz da emoção conseguida através do minucioso estudo da partitura dramática; e Eugênio Kusnet, ator russo e autor do livro “Ator e Método”, importante na difusão-aplicação e sistematização dos ideais “stanislavskianos” no Brasil.
Feitas as leituras, o grupo de pesquisa se reuniu para discutir a importância do projeto e as referências que haviam sido consultadas. Entre outras questões abordadas pudemos esclarecer princípios que puderam nos remeter à ligação que pretendíamos fazer dos resultados deste projeto com a área de teatro-educação. Discutimos que, se partirmos do pressuposto de que toda informação é um texto e todo texto, antes de elaborado, tem uma motivação para a sua elaboração, fica claro o quanto é importante para o cidadão, homem, consciente e preocupado com os caminhos do desenvolvimento social, saber identificar estas motivações que são geradoras de um mundo-texto. Nenhuma mensagem é ingênua. Toda comunicação estabelece uma ligação entre um emissor e um receptor, tem uma motivação, um subtexto, e se partimos para a sala de aula para discutir e instrumentalizar os educandos na busca dos subtextos de nossa dramaturgia, estaremos não só instrumentalizando o estudante de teatro para o teatro, mas também para o convívio social.
Em campo fomos recebidos com muita hospitalidade pelo Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes. O contato foi estabelecido através da professora Andréia Andradeoum subtexto.subtexto. Eas, que coordena as oficinas de teatro realizadas no espaço. Como ela estava de licença para realizar os estudos do Mestrado, fizemos o acordo de assumir o grupo da manhã, com o qual ela não poderia trabalhar até o fim do ano letivo de 2005. A nossa disposição foi colocada uma sala e uma pequena biblioteca do grupo. Grupo composto por 14 jovens do Ensino Médio que estudam no turno vespertino e freqüentam a oficina de teatro no turno matutino. Concluídas as negociações fomos a campo.
No primeiro contato aproveitamos o espaço para apresentar o projeto de pesquisa e a equipe de 3 pesquisadores. Numa grande troca, foi aplicado um jogo dramático para que pudéssemos nos conhecer melhor, neste jogo os estudantes cantaram, falaram algumas histórias de suas vidas com teatro e família, declamaram poesias, entre outras coisas. Para finalizar lemos um texto, um conto. O jogo consistia em cada um ler um parágrafo do conto, e terminada a leitura cada um devia reproduzir uma parte da história até que o enredo tivesse sido contado por completo por todos juntos. Isso é um procedimento do Método da Análise Ativa.
A partir deste dia, começamos os encontros ordinários as segundas e sextas das 10 horas da manhã às 12 horas. Enquanto isso, decidíamos sobre qual o texto a ser trabalhado, e depois de muito debater chegamos finalmente a Millôr Fernandes, uma peça que se chama “A história é uma istória - e o homem é o único animal que ri”.
Discutimos bastante para escolher o texto que seria estudado, mas foi consenso que ele deveria atender as seguintes expectativas: atualidade quanto à temática abordada, ser escrito por um autor nacional, proximidade com a linguagem dos educandos e potencialidade para identificação dos subtextos. O texto escolhido, para nossa satisfação, atendia a todas as necessidades.
“A história é uma istória (...)” é uma comédia que conta como se aprende mal na escola a história mundial. Desmistifica várias curiosidades e sensos-comuns formados ao longo da vida e assume uma postura humana diante da construção de personalidades históricas que se tornaram cânones nos ditames de valores para a sociedade.
Durante a escolha do texto a equipe de pesquisa ofereceu um módulo de oficinas onde foram incluídas diversas atividades de preparação do ator, que envolviam desde exercícios de práticas da expressividade corporal até estudos de mesa e aplicação de análises ativas de textos curtos. Depois da escolha começamos a oferecer material didático para subsidiar o entendimento do texto de Millôr, este material se propunha a questionar e avaliar a história com um olhar menos crítico que o olhar do dramaturgo.
Figura 3 - Grupo de Trabalho em campo, alunos do Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes.

Por conta do tempo que tínhamos, acabamos não produzindo uma encenação, mas em compensação fizemos vários exercícios do Método da Análise Ativa, o que rendeu diversos produtos, além da produção de textos dramáticos e a coleta de dados através de entrevista.
Logo na primeira semana, fizemos um levantamento de quantos deles já haviam lido um texto dramático. Cinco dos quatorze participantes haviam lido ao menos uma peça, um aluno já havia lido duas, e um outro aluno havia lido três peças de teatro. Todos os nomes apresentados abaixo são fictícios, o objetivo é preservar a identidade dos participantes de qualquer opinião ou imagem que se faça dos mesmos, a partir deste relatório, e que em alguma medida constranja ou denigra os valores morais dos sujeitos envolvidos. Ao serem solicitados para responderem, a um questionário escrito, à pergunta: “o que é dramaturgia?” eles responderam:

“Dramaturgia é a arte de interpretar, dramatização, interpretação no teatro”.
Vera18 anos)
“É um dom que possibilita o indivíduo criar peças de teatro. Também ajuda pessoas que gostam de escrever peças dramáticas a terem noção de que fatos está tentando passar em suas peças”.
Lúcia (17 anos)
“É unir toda a emoção e desenvoltura de um grupo ou uma pessoa e concentrar num ato, além de produzir textos, etc”.
Maria (17 anos)
“Dramaturgia seria um texto de teatro específico para os atores trabalharem”.
Joana (15 anos)
(Informação Verbal)

Como se pode perceber nas falas, alguns conceitos ainda estavam pouco sólidos para alguns deles, entretanto esta foi a primeira entrevista escrita, nela pudemos identificar também uma dificuldade dos alunos em escrever. De modo geral eles conseguem uma expressão mais clara quando falam apenas, as entrevistas entregues apresentavam diversos erros gramaticais, que nos permitimos discutir com eles. Estes erros, no entanto, não atrapalharam no entendimento global das respostas e textos produzidos.
Quando perguntados sobre os motivos que os levaram a participar do grupo de teatro, eles responderam (outra entrevista escrita):

“Eu comecei a fazer teatro em outro colégio, meio por impulso, mas aí me apaixonei e não parei mais de fazer teatro”.
Joana (15 anos)
“O teatro é muito importante para mim, me tornou mais espontânea, me mostrou um lado do mundo que eu não conhecia, e me provou que sou capaz de realizar um bom trabalho”.
Joaquina (14 anos)
“Falar sobre mim é um pouco complicado talvez por eu ser um pouco complicado. Estou participando do grupo pois ele me trará conhecimentos indispensáveis há uma pessoa como eu, que quer aprender desta arte e poder expressar tais sentimentos em resultados gratificantes”.
João (16 anos)
“Eu precisava descobrir uma maneira de me comunicar com as pessoas, sem sentir medo de não ser aceita pela sociedade. Não conseguia olhar nos olhos de ninguém. Hoje depois de dois anos acho que consigo me envolver em qualquer grupo”.
Lúcia (17 anos)
“Eu era uma pessoa retraída, às vezes tímida e foi por isso que entrei para o teatro. Acabei me apaixonando pela arte de interpretar e achei que fui uma boa atriz e que tive boas idéias”.
Vera (18 anos)
(Informação verbal)

A coleta destas respostas foi definitiva para que pudéssemos perceber, mesmo que superficialmente, o papel que o teatro tem para cada um deles. A importância que cada um atribui ao teatro. E de um modo geral fica clara a presença do domínio afetivo, a forma apaixonada como cada aluno enxerga o teatro salta aos olhos, o que torna o trabalho da pesquisa tão delicado e sensível.

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