terça-feira, 8 de setembro de 2009

ANÁLISE ATIVA E IDENTIFICAÇÃO DE SUBTEXTO

Analisando e apreendendo ativamente o texto-mundo

No que se refere ao método, Stanislavski, encenador e pedagogo que influenciou tanto o fazer teatral como as práticas de formação de ator, não dispôs de tempo para desenvolve-lo com a clareza com que havia descrito elementos anteriores de sua prática para estudos da interpretação. São poucas as referências encontradas em sua obra com tradução para o português. Portanto este método foi muito mais aplicado, aprofundado e desenvolvido por seguidores do mestre Stanislavski. Entre eles, um de seus atores, o artista russo Eugênio Kusnet, que foi um dos pilares para a fundamentação teórica deste projeto. Kusnet era professor de teatro e ator profissional, tendo trabalhado no Brasil, dentre outros grupos, no Teatro Oficina sob a direção de José Celso Martinez Correa. Suas investigações renderam três obras publicadas: Iniciação à arte dramática; Introdução ao Método de Ação Inconsciente; e Ator e Método, sendo esta última obra que utilizamos como referência. Kusnet foi um dos responsáveis pela difusão do Método “stanislavskiano” para o ator do teatro realista-naturalista, principalmente. Em Ator e Método, o autor faz um apanhado de toda a sua trajetória como professor de teatro, e, acerca da “Análise Ativa”, define:

“Em que consiste o método da análise ativa? Como diz o próprio termo, é uma maneira dos atores analisarem o material dramatúrgico. Analisá-lo em ação, ou seja, procurar compreender a obra dramática através da ação praticada pelos intérpretes dos papéis na base de conhecimentos superficiais da peça, e não na base de grandes estudos cerebrais”.
(KUSNET, 1987, p. 98)

A leitura de um texto (texto Lato sensu: verbal, visual, sonoro) é uma operação cognitiva dotad a de um alto grau de complexidade. Os caminhos (canais) para que se estabeleça uma comunicação são os mais imprevisíveis possíveis e as possibilidades da existência de ruídos durante o processo de comunicação podem comprometer a chegada da mensagem até o receptor. Em 2004, a pesquisa desenvolvida por este mesmo núcleo de Iniciação Científica, conseguiu identificar diversos problemas de “ruído” na recepção do texto dramático por grupos de jovens artistas em comunidades e escolas. Em campo era possível perceber “faltas” graves na apreciação das peças (literatura), como por exemplo: a dificuldade de articular o pensamento e traçar uma linha de raciocínio durante a leitura; o aluno sabe decodificar as letras e palavras, mas apresenta dificuldades para compreensão geral do texto; a dificuldade de identificar o objetivo do dramaturgo a cada cena criada, dada a complexidade da narrativa que dá total autonomia para os personagens, muitas vezes sem oferecer referências épicas para o leitor como meio de explicação de como a história se desenrola; a presença latente de mensagens subliminares que nas entrelinhas dificulta a compreensão; a falta de familiaridade com o texto dramático, pois muitos dos estudantes de teatro em escolas e em instituições não-formais, sequer leram uma peça de teatro antes, dando a impressão inclusive de que se o texto tivesse uma outra estrutura narrativa, o enredo poderia ter sido melhor compreendido.
Stanislavski chega a escrever que o subtexto é o “ponto principal de qualquer criação cênica”. Acerca do Subtexto, ainda escreve:

“A parte mais substancial de um subtexto está, nas idéias (...) nele implícitas, e que transmitem a linha de lógica e coerência de forma clara e definida. (...) As palavras são parte (...) da corporificação externa da essência interior de um papel (...). Subtexto é tudo aquilo que o ator estabelece como pensamento do personagem antes, depois e durante as falas do texto”.
(STANISLAVSKI, 1997, p. 175 e 176)
Figura 4 - Grupo em aula, identificação do subtexto e transformação desta informação em imagem corporal, meio para fazer emergir mensagens subliminares.

Exercitar a identificação do subtexto num texto qualquer, significa exercitar o entendimento das motivações que o emissor da mensagem teve para configurar aquela mensagem. Exercitar a identificação de qualquer subtexto, fazendo com que o indivíduo consiga transformar essa identificação, essa recepção numa expressão de arte, é potencializar sua compreensão da vida e do mundo. Sobre o subtexto, conceitua Pavis:

“SUBTEXTO. Aquilo que não é dito explicitamente no texto Dramático, mas que se salienta da maneira como o texto é representado pelo ator. O subtexto é uma espécie de comentário efetuado pela encenação e pelo jogo do ator, dando ao espectador a iluminação necessária à boa recepção do espetáculo.
Esta noção foi proposta por Stanislavski (1963, 1966), para quem o subtexto é um instrumento psicológico que informa sobre o estado interior da personagem, cavando uma distância significante entre o que é dito no texto e o que é mostrado pela cena. O subtexto é o traço psicológico ou psicanalítico que o ator imprime à sua personagem durante a atuação.
Embora esteja na natureza do subtexto não se deixar apreender completamente podemos nos aproximar da noção de discurso da encenação: o subtexto começa e controla toda a produção cênica, impõe-se mais ou menos claramente ao público e deixar entrever toda uma perspectiva inexpressa no discurso, “uma pressão por trás das palavras” (PINTER). É útil distinguí-lo da sub-partitura (partitura)”.
(PAVIS, 2005, p 368)

Em entrevista realizada em campo com alunos de teatro do Colégio Estadual Deputado Manoel Novaes perguntamos: “o que é subtexto?”

“É você realizar uma ação, só que nessa ação você pensa em alguma coisa”.
Lúcia (17 anos)
“Subtexto é a emoção que motiva o personagem a fazer determinada coisa”.
João (16 anos)
“Seria uma emoção que motiva a ação. Uma coisa que está subtendida no texto e você tem que descobrir”.
Joana (15 anos)
(Informação Verbal)

Só através destas respostas que foram obtidas ainda na primeira semana de atividades em campo, foi possível perceber que os alunos em certa medida já entendiam o conceito, e a partir de então demos início à aplicação dos exercícios pertinentes à “análise ativa”, muito embora todos estes alunos tenham tido pouco contato com dramaturgia (poucos deles leram apenas duas ou três peças de teatro, enquanto outros sequer tiveram contato com um texto teatral). Antes de aplicar o método era preciso compreender que nenhuma mensagem é ingênua, que toda comunicação tem uma motivação, um subtexto, para existir. E no caso de um texto dramático, o subtexto não é apenas um motivador do texto, pois como trata-se ali de seres humanos (personas), o subtexto torna-se a subordinação do texto à construção da personagem. E mais, que era preciso articular os desejos da personagem durante toda a história como motivadores de seus textos, desejos esses que podem mudar e isso interfere em toda a análise que está sendo feita.
Na tentativa de buscar soluções possíveis para as dificuldades observadas em campo em 2004, foi feita a opção de que o objeto de estudo para o próximo módulo de atividades fosse uma metodologia que conseguisse não só incluir o estudo do texto dramático nas aulas de teatro, como havia sido feito, mas que pudesse também instrumentalizar estes jovens no intuito de facilitar a compreensão da estrutura dramática e do próprio texto dramático. Identificadas estas necessidades, escolhemos para investigar o Método da Análise Ativa.
Analisar ativamente é analisar sensivelmente e espontaneamente. A “análise ativa” privilegia a inteligência emocional e o aprendizado a partir da prática, pois estimula o indivíduo a apreender o conhecimento através da reprodução e improvisação, percebendo o quanto o texto já havia intuitivamente sido absorvido, ainda que tenha sido feita apenas uma leitura dele.
O corpo é, além de uma ata de registro de nossas vivências, um canal possível para a recepção numa comunicação, além de ser veículo de expressão das mais variadas mensagens. Compreender um texto com o corpo é um caminho possível. Dentre outras maneiras de aplicação do método, talvez a mais simples seja pedir ao aluno, depois de ter lido uma única vez um texto, que ele o reproduza fisicamente para que a turma possa apreciar. Sobre a linguagem corporal, diz Pierre Weil: “Pela Linguagem do Corpo, você diz muitas coisas aos outros. E eles têm muitas coisas a dizer pra você. Também nosso corpo é antes de tudo um centro de informações para nós mesmos” WEIL E TOMPAKOW (1996, p. 07). Dialogando com o texto de Weil, sobre a importância do corpo no método da Ánalise Ativa, diz Kusneti: “O método da análise ativa, para Stanislavski, permite ao ator incluir no processo de análise não somente o seu cérebro, como também o seu corpo” (KUSNET, 1987, p. 102).
Analisar ativamente é improvisar, é libertar-se de amarras psicologizantes, textocentristas e exercitar a livre fluência da comunicação, o texto transforma-se em simples código, deixando que a análise o liberte do seu significado, recodificando-o. Como cita o próprio Kusnet: “A improvisação é a base da criação em todas as artes” (KUSNET, 1987, p. 98).
Neste sentido, o Método da Análise Ativa permite que se possa chegar ao subtexto de um texto, utilizando outras estratégias que não a análise puramente lógica e ou psicológica da personagem, com ela é possível compreender qualquer texto por outras vias, numa tentativa de fundir as noções cindidas de razão e emoção.

Um comentário:

  1. olá , eu sou a Bruna e meu professor Edson Duavy ( nome artistico) indicou esse site para estudarmos. Gostei muito do site e aprendi mais sobre o subtexto. Muito obrigada.

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