terça-feira, 8 de junho de 2010

O Domínio Afetivo do Processo Ensino-aprendizagem em Teatro.

Sérgio Coelho Borges Farias

Bolsistas
Juliane do Rosário Melo, Flávia Cristiana da Silva e
Roberto Ives de Abreu Schettini.


AGOSTO DE 2005 A JULHO DE 2006

A prática pedagógica do ensino de teatro a partir da segunda metade do século XX, passou a ser pensada na educação escolar de um ponto de vista que ambicionava superar as limitações de seu uso exclusivamente instrumental, isto é, como método para o ensino de conteúdos extra teatrais. Surgindo uma abordagem de ensino de teatro, essencialista ou estética, fundamentada na especificidade da linguagem teatral, e ao mesmo tempo empenhada em compreender seus princípios psicopedagógicos. O trabalho desenvolvido com teatro, tanto no contexto escolar quanto em grupos independentes, passou a seguir um eixo principal.

O eixo dessa perspectiva pedagógica teatral é a compreensão do teatro como um sistema de representação semiótico, como forma de expressão artística e linguagem acessível a todo ser humano (...) que articula aspectos plásticos, audiovisuais, musicais e lingüísticos em sua especificidade estética, o teatro passou a ser reconhecido como forma de conhecimento capaz de mobilizar, coordenando-as, as dimensões sensório-motora, simbólica, afetiva e cognitiva do educando, tornando-se útil na compreensão crítica da realidade humana culturalmente determinada.
(JAPIASSU: 2001, p.22)


Japiassu afirma ainda que diversas descobertas sobre o caráter pedagógico, terapêutico e semiótico do teatro ao longo deste século interagindo com pesquisas estéticas que ambicionam a renovação da linguagem teatral influenciaram e continuam influenciando abordagens do teatro-educação. De acordo com essa tendência, o presente trabalho intitulado “A aplicação do Método de Análise Ativa, como recurso didático na construção do conhecimento em Teatro para a formação da cidadania” foi desenvolvido no sentido de dar suporte teórico e prático sobre recepção teatral, dramaturgia e sobre metodologias de ensino de teatro.
A Metodologia Cíclica, desenvolvida na pesquisa anterior “A Dramaturgia e os Sentidos Expressos por Jovens Espectadores de Teatro da Bahia” apontou para a necessidade de instrumentalizar o educando no sentido de melhor aproveitar as experiências de contato com a dramaturgia e recepção da obra de arte. Assim, somam-se a ela contribuições da pesquisa estética de Stanislavski acerca da Análise Ativa e do Subtexto, os participantes da pesquisa poderiam compreender o seu processo de recepção da obra artística não só no âmbito do sensível, mas, do racional, na medida em que os exercícios proporcionam articular as duas formas de conhecer e reconhecer o mundo.
Na Metodologia Cíclica o indivíduo é convidado a analisar o objeto, e, estimulado através desta análise, a produção de uma nova obra. A Análise Ativa participou deste processo em dois momentos: o de estudo do texto e o da criação de uma nova obra, uma vez que consiste no exercício de ler o texto dramático, compreender com presteza suas idéias-forças e, finalmente apropriar-se dele para representá-lo com maior propriedade e “verdade” em cena. Realizada a leitura do texto, recolhem-se as principais mensagens inseridas no corpo total do mesmo, construindo-se uma espécie de roteiro mental, e, por fim, pede-se ao ator que improvise sua fala tentando ao máximo seguir o roteiro criado, ainda que não repita as palavras contidas no texto original.
Segundo Kusnet (1975), o “Subtexto” ou como gosta de chamar “Monólogo Interior”, é o resultado do uso de todos os elementos do Método que o intérprete do papel tivesse empregado no seu trabalho com o texto: elaboração das “Circunstâncias Propostas”, a “Visualização”, com os seus “Círculos de Atenção”, o “mágico SE FOSSE”, a “Visualização das Falas” etc. A proposta foi aplicar os exercícios, desenvolvidos nesta pesquisa estética de Stanislavski, com o intento de observar a compreensão e identificação de subtexto pelos participantes da fase de campo do projeto.
Identificar o subtexto de um texto dramático é conseguir compreender as motivações que levam os personagens a dizerem suas falas. Como o processo de identificação pode ser feito com qualquer texto não dramático, adotamos a expressão “identificação do subtexto”, para designar o processo que ocorre em qualquer meio de comunicação -sonoro, visual, sensorial- tornando-se possível investigar como se dá e como pode ser utilizado por educadores no sentido de contribuir para a construção de uma visão de mundo de seres integrais.
Tendo em vista que a pesquisa se fundamenta sobre os prismas da dramaturgia e produção de encenação, da preparação do ator e aplicação do Método de Análise Ativa e do estudo do domínio afetivo na recepção e produção da obra de arte foi de extrema importância à participação desta bolsista em campo completando a estrutura indispensável para o bom andamento do projeto. Seus principais objetivos foram: observar, analisar e avaliar as manifestações no âmbito das sensações dos indivíduos estudados, enquanto se aplicou a metodologia de ensino de teatro desenvolvida em campo.
O domínio afetivo do processo ensino-aprendizagem em Teatro foi observado pela bolsista em campo, no sentido de fomentar e “avaliar” nos indivíduos em processo de socialização, valores e capacidades, tais como: exercício da liberdade, fluência, flexibilidade, originalidade, elevação da auto-estima, auto-conhecimento, livre expressão, experiência subjetiva e organização grupal. Este trabalho parte da hipótese central da pesquisa indicativa de que os exercícios pertinentes ao método da Análise Ativa promoveriam o desenvolvimento do educando no domínio afetivo articulando suas habilidades de prestar atenção, dar respostas, valorar, organizar sistema de valores e formular sua visão de mundo e filosofia de vida. Conforme indica Farias em seu artigo sobre o assunto:

Uma atenção do educador para o domínio afetivo do desenvolvimento, pode possibilitarão estudante situar-se no processo educativo, de forma a constituir a sua própria filosofia de vida, a sua visão do universo, caracterizando-se. São atitudes e comportamentos que vão desde a percepção do que acontece no ambiente escolar, e a atenção seletiva, até a organização de um sistema de valores. (FARIAS: 1999)


Através dessa metodologia aplicada atingimos o objetivo no grupo de permitir envolver o cidadão no refletir e produzir arte, na valorização dos bens culturais em sua diversidade, ampliando conseqüentemente os mecanismos de participação e mobilidade social dos indivíduos envolvidos no processo. Os valores culturais existentes foram merecedores de atenção com vista de fazerem parte do processo de recepção e análise das obras artísticas. Acreditando no teatro como elemento mediador para o fortalecimento da identidade sócio-cultural dos educandos esta bolsista ficou responsável pela sistematização de conhecimentos acerca do domínio afetivo desde a preparação artística dos educandos no processo que antecede a introdução destes na construção da encenação; a apreciação dos textos apresentados promovendo a reflexão sobre a obra e discussão de textos teóricos de dramaturgia e teorias gerais da arte teatral.

2.Estratégia metodológica

A principal orientação, a partir do primeiro contato com o grupo de pesquisa, foi assistir defesas de teses relacionadas a teatro-educação, dramaturgia e recepção teatral, buscando além de acompanhar a produção de conhecimentos gerados na área compreender como ocorre a pesquisa na prática. A partir da colaboração no seminário PIBIC, foi possível compreender o trabalho desenvolvido até então pelos bolsistas de orientação do professor Sérgio Farias. Estes explicaram a necessidade de fornecer um suporte a grupos jovens de teatro através de uma metodologia que articulasse conhecimentos de dramaturgia, apreciação de espetáculos e experimentos da prática do ator. Assim, através da necessidade sentida nesta etapa da pesquisa do ano de 2004 (de título: A Dramaturgia e os Sentidos expressos por Jovens expectadores de Teatro da Bahia), buscou-se aplicar na próxima fase a metodologia desenvolvida em campo. Utilizando-se do método de Análise Ativa de Stanislavinski, propôs-se observar a compreensão e identificação do subtexto pelos sujeitos que seriam estudados na fase de campo do projeto.
Para a realização da pesquisa no período de agosto de 2005 a fevereiro de 2006, ocorreram reuniões semanais, ocasiões em que o orientador Sérgio Farias apresentou bibliografia a ser utilizada na pesquisa e discutiu temas relevantes, avaliando o progresso do orientando. Uma vez por semana os bolsistas vinculados a este projeto elaboravam o plano de ação, a ser executado por cada um e discutiam, trocando informações e elaborando relatórios a cerca do trabalho em campo, lendo e selecionando textos a serem estudados no grupo focal. O grupo selecionado para a realização das ações práticas foram os estudantes do Colégio Estadual Manoel Novaes, com idade entre 15 e 21 anos, cursando regularmente o ensino médio.
O método foi influenciado pelas reflexões trazidas pela pesquisa participante que apresenta uma proposta na qual o pesquisador deve estar juntamente com os pesquisados, conhecendo a sua realidade para agir, fazendo parte dessa realidade, pois é parte integrante dela. Assim, buscamos partilhar, desde o inicio da intervenção em campo, toda reflexão gerada e discutimos com os alunos formas de modificar positivamente a realidade a qual fazemos parte e sobre a qual agimos cotidianamente. Também foi-nos autorizado relatar e analisar o desenvolvimento de cada aluna no processo, que aguardam ansiosas a repercussão desta pesquisa. Em comum acordo encontram-se substituídos os nomes verdadeiros por fictícios neste relatório.
Os pesquisadores desenvolveram em campo oficinas a partir de atividades como: dinâmicas de apresentação, relaxamento e alongamento do corpo, exercícios para improvisação, leitura de textos de vários gêneros, leitura dramática de texto selecionado, estudos sobre o trabalho do ator, trabalho com subtexto e avaliação final do processo. Exercícios sugeridos por Stanislavski e outros estudiosos de seu método, foram experimentados durante as aulas. Elaborando relatórios de cada aula foi possível aos pesquisadores avaliar o desenvolvimento de cada educando no processo e aplicar a metodologia elaborada em campo no momento oportuno.
As atividades em campo junto ao grupo Manuel Novaes seguiram a seguinte estrutura:
•1º fase: Foram utilizados exercícios de liberação (MILET & DOURADO,1998,p.17) articulados a aulas teóricas sobre o conceito de dramaturgia. Período de setembro de 2005;
•2º fase: Exercícios de sensibilização(Ibidem,p.17), vinculados a teoria de interpretação com o foco em trabalhos acerca do subtexto, incluindo ainda exercícios que trabalhacem com: elaboração das “Circunstâncias Propostas”, a “Visualização”, com os “Círculos de Atenção”, o “mágico SE FOSSE”, a “Visualização das Falas” etc . Período de outubro de 2005;
•Durante as duas primeiras fases ocorreram leituras de textos de diversos gêneros, individual (em casa) e em grupo;
•3º fase: Leitura do texto A história é uma istória e o homem o único animal que ri, com a aplicação do método de Análise Ativa em trechos do texto selecionados pelos alunos, com foco na produção de uma leitura dramática e uma possível montagem. Período de outubro e novembro de 2005.

A intensa produção gerou uma grande quantidade de material para análises, apontando para necessidade de uma avaliação mais intensa do conhecimento gerado pela pesquisa até então. No período de fevereiro a junho de 2006 recolhemo-nos a análise do material coletado com oportunidade de troca com bolsistas de outros campos atuação no sentido de discutir e reavaliar resultados. A comparação entre as diversas realidades onde foram aplicadas a metodologia em questão exigiu-nos nova revisão bibliográfica, e a busca de novo corpo teórico que contemplasse algumas dúvidas, no que diz respeito principalmente ao desenvolvimento afetivo dos indivíduos e a modelos de organização de níveis de compromisso do aluno. Reavaliando algumas considerações e elaborando questionamentos e estratégias para continuar em busca de uma compreensão acerca do objeto desta pesquisa.

3.Atividades executadas no período

Estudo bibliográfico referente à fundamentação teórica do projeto - agosto e setembro de 2005;
Contato com o grupo selecionado para as ações práticas – setembro de 2005;
Estudos teóricos da equipe de pesquisa sobre teoria do drama, análise de texto e ensino de teatro – setembro e novembro 2005;
Execuções práticas das oficinas, que servirão como objeto de estudo, de teatro: corpo, voz, texto, improvisação – setembro de 2005 a dezembro de 2005;
Organização de dados obtidos através da observação – janeiro e fevereiro de 2006;
Elaboração de Relatório Parcial;
Discussões semanais com o grupo de pesquisa para avaliação de material coletado – fevereiro a junho de 2006;
Análise dos dados– fevereiro a junho de 2006;
Produção de Relatório Final- maio a junho de 2006.
Reavaliação e elaboração de questionamentos e estratégias para continuar em busca de uma compreensão acerca do objeto desta pesquisa- maio a junho de 2006.

4.Resultados e Discussões

O grupo focal escolhido para a intervenção em campo, foi a turma de teatro de uma escola pública de nível médio de Salvador, o Colégio Estadual Deputado Manuel Novaes. Observada a demanda, por parte do grupo, de aulas que tenham um direcionamento sistematizado para estudo do gênero dramático e até para a continuidade de seus estudos de teatro, disciplina não inclusa no currículo obrigatório da escola, os pesquisadores foram a campo. Levando em consideração a localização e o tipo de público atendido pelo colégio Foi possível compor a título de orientação um perfil inicial dos alunos da instituição. Hipótese composta que foi confirmada após os primeiros contatos com a turma, que apresentou um perfil singular.
A turma vinha de um processo anterior de montagem, bem recebido pela comunidade escolar, que gerou no grupo uma auto-estima elevada demonstrada em sala a partir de uma postura de autoconfiança durante os processos de improvisação. As estudantes tinham entre 15 e 21 anos, cursando regularmente o ensino médio, em sua maioria já vinham fazendo teatro na escola e buscando grupos, cursos, assistindo espetáculos sempre que possível, no sentido de conhecer mais sobre a arte teatral.
A montagem de uma cena no semestre anterior elevou a estima das jovens. Ao mesmo tempo a não continuidade dos trabalhos e a possibilidade de encerrar o curso de teatro na escola por motivo de força maior (a professora não daria mais o curso pela manhã) deixou-as muito tristes e desesperançosas. Nas próprias palavras das alunas nós, os pesquisadores, fomos como a luz no fim do túnel para que não acabassem seus sonhos de fazer teatro naquele semestre. Algumas consideram o teatro o seu futuro, desejam dar continuidade as suas carreiras fazendo faculdade de teatro-educação, como é o caso de Ana e Marilia, bem decididas quanto ao que querem. Outras sentem-se perdidas não tem tanta certeza do que querem mas, sentem o teatro como uma forma de auto-descoberta.
Iniciamos as apresentações formais e seguimos como planejado para dinâmica de apresentação. Na primeira aula estavam presentes os três bolsistas responsáveis pela pesquisa e cada informação trazida à tona durante a dinâmica contribuiu para que pudéssemos ter uma pequena pista do universo que se apresentava em cada um de nossos alunos.
Os pesquisadores falaram bastante sobre si na dinâmica, o que parece ter despertado confiança nos educandas para externar um pouco sobre si. Assim, algumas alunas revelaram dificuldades de se relacionar, principalmente com a família. Renata revela que seu pai é ausente em sua vida, não o conhece, tendo ele partido quando era muito pequena. Revela-se tímida e evasiva em algumas questões e transmite uma leveza em seus gestos coincidente com seu gosto por cores claras. Joana informa ser tímida e seus gestos e sua forma de falar demonstram uma crescente ansiedade. Seus pais moram juntos, mas considera sua família nômade, por mudarem muito de endereço, isso a incomoda. Carla fala pouco sobre si mesma, apresenta-se extremamente reservada neste aspecto. Sua expressão é séria contrastando com o restante da turma que sorria bastante. Falou que sua família que considera tradicional, pois seus pais ainda são casados. Ana é extrovertida e se considera a ovelha negra da família, por seus modos e gostos diferentes do que chama padrão. Afirma que apesar de seu jeito meigo briga muito com a irmã. Para ela o teatro é seu futuro. Marilia diz ser namoradeira, seus pais são casados, é extrovertida e fala que em suas relações de amizade ela se entrega desde o primeiro instante.
Os pesquisadores falaram um pouco sobre ciência e apresentaram um pouco do projeto de pesquisa em que estavam envolvidos. As bolsistas Juliane e Flávia falaram sobre o que é ciência e a diferença entre as diversas formas de conhecimento. Então discorrem sobre o trabalho que seria desenvolvido no grupo. As aulas versariam sobre dramaturgia, o trabalho do ator, o método de análise ativa e dentro dele precisamente o subtexto. Foi definido que as aulas ocorreriam as segundas e sextas-feira, no horário de 10:00 as 12:00. Havendo uma tolerância de 15 min para seu início.
Foi aplicado questionário sobre o perfil do aluno, a relação deste com o teatro, seus conhecimentos sobre dramaturgia e sua expectativa a cerca do trabalho que seria desenvolvido. A partir das análises do questionário podemos perceber que o grupo tinha uma noção do que é dramaturgia na sua relação direta de texto produzido para teatro, como também o texto do ator em cena, trazendo a tona mesmo de forma indireta o conceito de referente à dramaturgia do próprio ator. O que não é de forma alguma estranho, pois até o momento aquela turma trabalhava com uma dramaturgia própria, através de improvisações que viravam textos. Posteriormente pudemos apresentar conceitos interessantes do termo, como o de Pavis entre outros que define:

De acordo com estudos clássicos este termo significa “arte de compor peças teatrais”. Alguns denominam técnica, outros poética da arte dramática. A dramaturgia é a atividade do dramaturgo, que consiste também na criação e no agrupamento de material textual e cênico. (...) A dramaturgia em seu sentido mais recente, começa a ultrapassar o âmbito de estudo do texto dramático para agregar texto e realização cênica. (PAVIS: 1999, p.72)

Quando se tratava de mencionar no questionário algum texto dramático, ou dramaturgo havia uma certa confusão por parte de algumas que mencionavam textos e autores em gênero narrativo ou épico e lírico, enquanto outras já demonstravam conhecer algumas características do gênero dramático: ...há diferenças entre os livros de romance, porque ele dá as entradas dos atores, como devem falar agir; as mudanças de cenário e o figurino é bem abordado, diferentemente dos outros textos que vão direto ao assunto.
Foi necessário que os pesquisadores pensassem como utilizar estas noções que as alunas já possuíam para mediar o aprendizado com estudos mais sistematizados acerca do tema, visando apurar seu senso estético através de reflexões mais elaboradas. A partir de informações sobre cada uma, os motivos de sua participação no grupo, à importância que atribui ao teatro e as suas expectativas com relação ao trabalho que desenvolveríamos pode-se trabalhar com um perfil aproximado do grupo, levando em consideração interesses e estágio de aprendizagem sobre o teatro.
Realizamos a leitura de um conto de autoria de Roberto Abreu, intitulado: Bello e o Sexo Tipográfico. Após a leitura coletiva (cada um leu um parágrafo) foi realizada a coleta dos sentidos expressos com relação ao texto. Ana reiterou a importância da presença dos pais na vida de uma pessoa. Carla e Joana colocaram que a vida do personagem desabou por conta de suas escolhas, ele poderia ter vivido diferente. Roberto enfatizou que uma das principais informações contidas no texto é que tudo é código, tudo é texto. Assim, existem formas diferentes de ler o texto. E lembrou dos diversos textos contidos na arte teatral. Percebemos que na leitura deste primeiro texto as alunas o interpretaram estabelecendo um tipo de relação com sua realidade. De fato, existem formas diferentes de se ler um texto, mas a leitura deve partir da tentativa de decodificar o que foi escrito. Optamos por aguardar as próximas leituras no sentido de confirmar ou não, esta primeira impressão. Partimos então para uma avaliação da aula Carla: “Diferente do que foi trabalhado conosco antes. Antes era mais ação e agora mais teórico”. Ana: “Reconfortante”. Joana: “Vocês estão muito preocupados com que estamos achando. Relaxem. Ta ótimo!” Marilia: “É uma forma diferente”. Renata: “Interessante!”. Assim, nos despedimos, nesta primeira aula.
Para as aulas que se seguiram os pesquisadores decidiram que cada um seria responsável por uma aula, sendo cada aula planejada em conjunto. Uma vez por semana os bolsistas vinculados a este projeto elaboravam o plano de ação, a ser executado por cada um e discutiam, trocando informações e elaborando relatórios acerca do trabalho em campo, lendo e selecionando textos a serem estudados no grupo focal. Em diversas oportunidades houve mudança na estrutura da aula a partir de indicações dos próprios participantes da pesquisa. A exemplo de uma aula onde algumas alunas tiveram dificuldades em fazer a leitura dramática de um texto por considerar as palavras contidas nele “muito difíceis” e por certa vergonha de suas dificuldades de leitura. Após perceber o fato a pesquisadora propôs um jogo dramático que articulasse o trabalho corporal com interpretação a partir da improvisação de situações, o que deixou as alunas mais a vontade, para em um segundo momento inserir no jogo a interpretação de outro pequeno texto. Assim, foi realizada a leitura dramática com envolvimento total, sem constrangimentos e na qual as alunas com dificuldade saíram-se muito bem.
Seguiram-se aulas e o grupo manteve-se com a mesma média de alunos durante este período de trabalho em campo. Quantidade suficiente para desenvolver um bom trabalho, sendo possível acompanhar cada sujeito da pesquisa de maneira integral. As alunas demonstraram interesse em convidar novos alunos à medida que sentiam a força transformadora do teatro. O empenho continuou até a proposta da leitura do texto dramático: A história é uma istória e o homem o único animal que ri, de Cláudio Correa e Castro e co-autoria do elenco. A partir deste momento sentiram uma necessidade de unidade no grupo, verbalizada por elas nas avaliações de aula.
Os pesquisadores desenvolveram em campo oficinas a partir de atividades como: dinâmicas de apresentação, relaxamento e alongamento do corpo, exercícios para improvisação, leitura de textos de vários gêneros, leitura dramática de texto selecionado, estudos sobre o trabalho do ator, trabalho com subtexto e avaliação final do processo. Exercícios sugeridos por Stanislavski e outros estudiosos de seu método, foram experimentados durante as aulas. Elaborando relatórios de cada aula foi possível aos pesquisadores avaliar o desenvolvimento de cada educando no processo e aplicar a metodologia elaborada em campo no momento oportuno.
Houve uma leve alteração na metodologia fruto das necessidades e exigências do próprio grupo. Seguindo-se a leitura individual do texto pelo educando em casa não foi possível completar uma leitura coletiva integral do texto selecionado foi necessário selecionar alguns trechos para tal leitura. A leitura dramática foi realizada em sala de aula com trechos selecionados. Durante todo o processo colhemos os sentidos expressos pelos integrantes do grupo, enquanto espectador dessa obra, buscou-se realizar improvisações e iniciamos um processo de montagem a partir das referências as análises feitas pelo grupo como expectadores do texto que seria trabalhado.
O exercício de Analise Ativa utilizado como instrumento que pode facilitar quaisquer processos de aprendizado foi incluído tanto em seu uso prático como teórico, apresentado como a sistematização de um conhecimento feito por Stanislaviski. Ou seja, ele foi instrumento para aprendizado e conteúdo de aula (fundamento da compreensão de um texto dramático). Estimulando a sensibilidade e a expressividade.
Alguns resultados devem ser registrados e avaliados positivamente pelos pesquisadores, principalmente no campo do domínio afetivo dos educandos. A visão multiplicadora difundida dentro daquele grupo que buscou dividir o que aprendeu, demonstra interesse em ampliar o alcance dos benefícios trazidos por tal aprendizado, o que é uma contribuição positiva na visão de mundo de cada aluno que participou daquela experiência.
A possibilidade do uso do método de Analise Ativa, de Stanislavski como colaborador na superação de dificuldades encontradas por alunos de escola pública na interpretação de textos, é uma perspectiva apontada pela pesquisa. Uma vez que este método consiste no exercício de ler o texto dramático, compreender com presteza suas idéias-força e, finalmente apropriar-se do texto para representá-lo com maior propriedade e “verdade” em cena, o exercício passa a aguçar o interesse do educando. O jogo dramático exerce esse fascínio sobre os alunos, e a participação intensa do grupo focal na atividade, verbalizando suas dificuldades e as contribuições das oficinas para superá-las veio fornecer indícios de que o método pode ser utilizado nas aulas de teatro-educação.
No decorrer das reuniões com o grupo podemos observar a influência da formação social, política e religiosa do indivíduo nas interpretações que o mesmo expressa sobre este ou aquele texto lido, ou seja, esta formação provoca e motiva tais interpretações, além de ser um diferencial entre as tantas interpretações de indivíduos distintos. As cartas redigidas pelas alunas a partir do exercício proposto por Eugenio Kusnet, como forma de levar o ator a concentra-se em seu personagem, nas quais elas puderam elaborar reflexões livres acerca de sua relação com o teatro, foi um material precioso para que os pesquisadores percebessem a importância da experiência proporcionada aquele grupo.
A pesquisa foi de grande valia principalmente para o grupo focal onde foram trabalhados atividades práticas, discussões e estudos teóricos, pois fez com que estes jovens conhecessem melhor, os conteúdos relacionados à dramaturgia, compreendendo sua importância para a construção da obra de arte, bem como a importância de sua recepção à cerca da apreciação artística, para interpretação, construção e reconstrução de seus códigos e signos. Foi expresso por elas seu grande interesse pelo teatro, falando em aprendizado, em paixão, relação mãe-filha: É muito importante.; O teatro muda a vida das pessoas.; ...ajuda em meu bom pensamento. O uso dos exercícios de analise ativa foram uma experiência única. A pesquisa do subtexto vinculada a orientações de interpretação de textos retirada dos princípios hermenêuticos, de Schleiermacher representaram um desafio instigante para as alunas, que aos manifestaram mais segurança em demonstrar suas opiniões sobre os textos. Além disso, as discussões propostas ao grupo contribuíram para a re-descoberta dos educandos como cidadãos ativos na sociedade e como agente multiplicador de conhecimentos, pois visavam à formação do ser para o exercício da cidadania.


5.Considerações finais

Na avaliação dos pesquisadores e dos educandos o projeto foi de grande valia uma vez que possibilitou: aprendizado construido e promovido junto aos jovens do grupo, visando o desenvolvimento crítico-interpretativo dos educandos; troca de experiência e desenvolvimento da capacidade de aceitar diferenças, através do trabalho coletivo; a visão multiplicadora difundida dentro daquele grupo que busca compartilhar o que aprendeu e demonstra interesse em ampliar o alcance dos benefícios trazidos por tal aprendizado.
É importante mencionar que a pesquisa aponta para a possibilidade do uso do método de Analise Ativa, de Stanislavski,vinculados aos principios hermenêuticos de Schleiermacher, como colaborador na superação de dificuldades encontradas por alunos na interpretação de textos. Representando um desafio instigante para as alunas, que manifestaram mais segurança em opinar sobre os textos, verbalizando suas dificuldades e as contribuições das aulas para superá-las.
Dentro do contexto sócio-político cultural de Salvador o diagnóstico de fatores que interferem diretamente sobre a formação da opinião, senso-crítico e cidadania será de grande valia para pesquisas futuras. Foi uma busca especial na identificação dos elementos do drama que compõem as encenações artístico-culturais, e o oferecimento de um estudo sistemático acerca do método de Análise Ativa e do subtexto através de um processo triangular, que fez o educando transitar sobre os vértices da apreciação do espetáculo teatral, do conhecimento acerca das teorias de interpretação e da prática.
Observando os elementos dramatúrgicos, tais como: argumento, intriga, conflito, delimitação de tempo, espaço e ação, composição de personagens, causalidade e seqüenciamento lógico das ações, e partindo destes, o educando foi capaz de expressar as sensações, impactos e impressões provocados pela apreciação artística. O registro desta livre expressão é de grande valia para o estudo da formação de aspectos psico-emocionais do indivíduo.
Nessa intervenção em campo surge algo novo, a idéia é construir conjuntamente um espaço de troca onde os pesquisadores e os alunos e participantes das comunidades possam ter um contato produtivo, rico e significativo com os princípios do teatro e da educação. A partir da reflexão gerada no processo de pesquisa podemos construir conhecimentos acerca do desenvolvimento do pensamento crítico-interpretativo dos educandos, relacionados ao domínio afetivo no processo de educação artística instrumental com teatro, articulamos e sistematizamos conteúdos acerca da recepção da obra de Arte, produzimos registros dos sentidos expressos e os analisamos na medida em que percebíamos o progresso da pesquisa no que se refere a oportunizar valores e capacidades nos sujeitos estudados, além de sistematizar-mos conhecimentos na área de hermenêutica e sobre seu uso como motivador da produção de novas obras de arte, uma vez que discute a compreensão humana e a interpretação de textos escritos.
Por todo o exposto, e o que se explica pelo fato de que todo conhecimento científico gerado é sempre apenas parcial e imperfeito, chegamos ao fim desta parte da pesquisa com uma série de questionamentos que podem dar margem a uma nova pesquisa: A partir de que corpo teórico os professores estariam definindo competências e habilidades a serem trabalhadas com os alunos acerca do desenvolvimento afetivo e modelos de organização de níveis de compromisso do aluno diante do objeto de conhecimento? Quais as matrizes culturais usadas como referência pelos professores de teatro em sala de aula? Diante do imperativo de apresentação de resultados em termos de produto estético, seja por imposição da escola, seja por necessidade dos alunos no decorrer do processo, pergunta-se como se caracterizam as poéticas de encenações didáticas? Entre outras questões que nos levem a refletir sobre os caminhos que o teatro-educação tem tomado na cidade de Salvador.
Os pesquisadores agradecem por serem privilegiados com a oportunidade de vivenciar tal experiência e dividir o conhecimento gerado com a comunidade acadêmica e a sociedade como um todo.

6.Dificuldades e soluções

As principais dificuldades encontradas na realização da pesquisa foram referentes ao espaço para realizar as atividades. Para as aulas tivemos disponibilizada pela escola a sala de teatro e a de capoeira, que apesar de não ter a estrutura ideal não dificultava as nossas atividades. O excesso de feriados e dias atípicos em que a escola permaneceu fechada tornou difícil o uso do espaço. Para dar continuidade ao trabalho e evitar a distância entre uma aula e outra buscamos locais alternativos, aproveitando-os como elemento novo no processo de aula. Com as dificuldades para marcar encontros extras com os alunos não foi possível realizar a montagem do texto, o que aconteceu com uma das alunas do grupo de experimento no semestre 2006.1.



7.Referências bibliográficas

BOAL, Augusto. Jogos para atores e não atores. 14. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa Participante: Repensando a pesquisa participante. 3a edição. S.Paulo: Edit. Brasiliense, 1987.

DESGRANGES, Flávio. A Pedagogia do Espectador. São Paulo: Hucite, 2003.

DOURADO, Paulo e MILLET. Maria Eugênia. Manual de Criatividades. Salvador, Funceb: EGB, 1997.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários á prática educativa. São Paulo. Paz E Terra 1996.

JAPIASSU, Ricardo. Metodologia do ensino de teatro. Campinas: Papirus, 2001.

KUSNET, Eugênio. Ator e método. Rio de Janeiro:Serviço Nacional de Teatro,1975.

MENDES, Cleise Furtado. As Estratégias do Drama. Salvador: Centro Editoria e Didático da UFBA, 1995.

PALLOTINI, Renata. Introdução a dramaturgia. São Paulo: Brasiliense, 1983.

PAVIS, Patrice. Dicionário de Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1999.

SCHLEIERMACHER, Friedrich D. E. Arte e Técnica da interpretação. Petrópolis, RJ. Vozes, 1999.

SPOLIN, Viola. Improvisação para o teatro. São Paulo: Perspectiva, 1982.

STANISLAVISKI, Constantin. A construção da personagem. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

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