terça-feira, 8 de junho de 2010

Matrizes Culturais em Teatro-Educação: referências da contemporaneidade expressas na tradução do corpo cênico

Sérgio Coelho Borges Farias

Bolsista
Carla Bastos da Silva

AGOSTO DE 2007 A JULHO DE 2008

A pesquisa tem como objetivo a caracterização do ensino de teatro em escolas e comunidades de Salvador e da Chapada Diamantina, Bahia, refletindo acerca do corpo cênico e sua construção, identificando nos grupos que trabalham com teatro-educação, quais as matrizes estéticas, culturais, técnicas corporais e poéticas de encenação que são utilizadas pelos professores de teatro em sala de aula e em seus espetáculos didáticos. Fiquei responsável por pesquisar sobre o “Drama”, uma manifestação cultural da comunidade do Vale do Capão na Chapada Diamantina. Percebemos claramente na Bahia uma multiplicidade de matrizes culturais, distribuídas de forma diferenciada entre Salvador, o Recôncavo, o litoral sul e norte, a Chapada Diamantina, o sertão, enfim, as várias regiões geoculturais que compõem este estado. A partir do contato com diversos tipos de cultura na Bahia, senti-me motivada a abordar neste relatório, a manifestação cultural do Vale do Capão “O Drama”. Para isso foi preciso pesquisar sobre a história do Vale do Capão para entender melhor essa manifestação cultural
No inicio tudo era mata fechada, um “buraco cercado de morros”. Contam os mais velhos do vilarejo do Rio Grande que esse buraco era também morada de índios. Mais tarde esse buraco ganhou um nome: Capão dado por um morador do vilarejo do Rio Grande. Mesmo os habitantes dos vilarejos vizinhos não costumavam freqüentar o Capão, pois eles tinham muito medo dos bichos que existiam por lá. Assim, o Capão era habitado pelos índios que viviam da caça da pesca e da colheita. Mais tarde alguns moradores do Rio Grande atreveram - se a conhecer o Capão e descobriram que lá havia muito ouro e diamante, e passaram a explorar essas riquezas. Com a chegada dos coronéis para explorar o ouro e o diamante, o Capão passou a ser reconhecido pelas redondezas como “buraco do ouro e do diamante”. Todos queriam conhecer o bendito Capão, para explorar ou por mera curiosidade. O Capão era o buraco de exploração dos coronéis que aos poucos foi se transformando em morada dos mesmos. Os coronéis construíram grandes lojas de tecidos, pois o ouro não estava mais tão fácil de ser encontrado como em tempos anteriores.
Ouvia-se muito dos coronéis e garimpeiros: “Procura-se tanto e não se encontra mais nada”. Ouro e diamantes já eram lenda. O que restava para os coronéis era investir na plantação, entretanto precisavam de mão de obra. Foi então que os coronéis foram em busca de escravos para cuidarem da plantação e para delimitarem suas terras. Com a chegada dos negros no Capão os coronéis tiveram suas terras muradas pela mão escrava. Aos poucos o Capão foi se transformando num lugar de diversas culturas pela sua formação histórica. Pode-se dizer que havia uma grande mistura de culturas: indígena, européia e africana. Com base nas entrevistas feitas com as senhoras participantes dos processos cênicos, o Drama surgiu dessa mistura de culturas, tendo aproximadamente cem anos de existência. O objetivo principal do meu trabalho nessa pesquisa foi investigar num grupo que atua com teatro-educação, quais as matrizes culturais utilizadas pelos professores de teatro em seus espetáculos didáticos. Este levantamento foi revelador para fundamentar discussões de novos caminhos para este segmento da arte-educação, através das Matrizes Culturais.

2. Materiais e métodos
Descrição da maneira como foram desenvolvidas as atividades para se chegar aos objetivos propostos.


Iniciamos com estudos necessários à fundamentação teórica acerca da temática que foi abordada durante todo o processo de pesquisa. Logo após foi feito um mapeamento das escolas de ensino formal, estadual, ONGs e Comunidades, que trabalhassem com teatro. Em seguida, foi feito levantamento inicial dos grupos em atuação na área de teatro-educação no sentido de facilitar a busca de referenciais práticos e o intercâmbio de informações entre os profissionais da área. A fase seguinte foi a de construção de mecanismos e estratégias de coleta de dados para posteriores análises. Os grupos selecionados para a pesquisa deveriam ter mais de três anos de fundação e já ter realizado mais de uma mostra de seu trabalho. A coleta foi realizada por intermédio de instrumentos como registro de entrevista semi-estruturada e aplicação de questionários. Escolhido o grupo, as entrevistas foram direcionadas aos seus componentes e tiveram como objetivo colher informações sobre as Matrizes Culturais que compunham o Drama. Terminada a fase de coleta de dados, a equipe de pesquisa passou para fase de análise crítica do material coletado. Esta fase teve como estratégia analisar as entrevistas e registros do cotidiano com base em cada interferência nos diversos grupos estudados. O objetivo desta análise foi identificar as Matrizes Culturais adotadas como motivadores do processo de criação e apontar caminhos possíveis para a introdução de elementos da cultura popular para o enriquecimento dos trabalhos cênicos.


3. Resultados
Relação dos resultados ou produtos obtidos durante a execução da pesquisa.


Após o contato com os Dramas da comunidade do Vale do Capão percebi que os próprios Dramas trazem em sua composição a matriz africana, a indígena e a européia como afirma Dona Nadir (70 anos): “Os dramas são histórias cantadas, de negros, índios e brancos que falam sobre a vida deles”.
Trago um trecho do Drama da Tapuia para representar a matriz indígena. “Linda tapuia diz o que ocê quer/com esses cabelos negros já é uma mulher/ não sou não sou/ocê pode ate querer/ para ser uma mulher tenho muito que crescer”. O nome tapuia nos remete à matriz indígena e os cabelos negros também. O drama Moça da Varanda nos remete à matriz européia, por exemplo, pela palavra doutor: “Se achegue meu doutor, minha filha vou te dar/ Espere um instante que a ela vou chamar/Não chame não, tenho algo a te dizer/ vou casar com outra moça que há de me merecer”. Já o drama Minha Crioula nos remete à matriz africana. “Minha crioula venha pra cá/O senhor branco tem muito amor para dar”. Existem muitos Dramas que ainda não foram registrados em texto escrito; em pesquisas futuras seria de grande importância o registro desses Dramas.
As pessoas que moram no Vale do Capão buscam sempre revelar para as gerações futuras as manifestações culturais locais, incentivando para que não sejam esquecidas. Como afirma dona Nadir, “temos um grupo que não só participa senhora, tem crianças também, porque que eu acho interessante que elas apreendam porque senão o drama vai se perder, não tenho problema em ensinar o drama para as pessoas o que eu não quero que ele seje esquecido, isso não! Porque é uma coisa muito bonita”. Revela-se nesta pesquisa a importância de registrar as manifestações e de proporcionar reflexões de questões relacionadas ao cotidiano, cultura e identidade. O Vale do Capão se transformou em um “buraco de mistura de culturas”, representando a história desses povos, no jeito de se falar de se vestir e de se comportar. Tanto as que já estavam ali desde o início, como a cultura indígena, quanto as que foram chegando. É percebível até nos dias atuais uma diversidade de manifestações culturais que representam as matrizes culturais desse lugar. Reisados, Quermesses, Festas Juninas, comemorações da Semana Santa, Capoeira, dentre outras.


Discussão
Expor de modo sucinto a contribuição do seu plano ao projeto de pesquisa do orientador apresentando as implicações para futuros trabalhos que podem ser desenvolvidos.


A identificação com valores culturais do próprio meio e o contato com outras culturas possibilita a formação de um ser humano integral, uma vez que o indivíduo só se percebe integrante, dependente e agente transformador do meio através da consciência de si enquanto ser social. Assim, considerando a necessidade de perceber até que ponto as matrizes culturais da Bahia estão sendo discutidas com os alunos e levando em consideração a sua identificação com tais referências o professor/diretor de teatro que se propõe a cuidar da formação de um ser completo deve esforçar-se por contribuir para uma educação pluricultural, levando como uma das missões básicas do seu trabalho, o que se reflete nas palavras de Duarte Jr.: “estimular o sentimento de si mesmo, incentivar esse sentir-se humano de modo integral, numa ocorrência paralela aos processos intelectuais e reflexivos acerca de sua própria condição humana. Para tanto, a inserção desse sujeito [o educando] numa dada realidade, numa dada comunidade e cultura local não pode ser menosprezada em favor de um universalismo abstrato e extirpador de raízes. Sentir o mundo consiste, primordialmente, em sentir aquela sua porção que tenho ao meu redor...” (DUARTE Jr.: 2004, p.175).
A extirpação de raízes, citada por Duarte Jr., é marcante na educação formal à qual nos submetemos, sempre zelosa em ensinar as grandes verdades universais, o grande pensamento e os grandes pensadores, desconsiderando todo ‘pequeno saber’ da comunidade local e de seus membros, saberes que são muitas vezes ignorados, ridicularizados pelos portadores da oficial sabedoria. Precisamos pensar e valorizar as culturas e principalmente nossas matrizes estéticas e culturais na educação através de uma pedagogia pluricultural.
4. Referências bibliográficas (máximo 15)


BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pesquisa Participante: Repensando a pesquisa participante. 3a edição. S.Paulo: Brasiliense, 1987.

GOLDENBERG, Mirian. A arte de pesquisar: Como fazer pesquisa qualitativa em Ciências Sociais. Rio de Janeiro: Record, 1997.

BARBOSA, Ana Mae. Teoria e Prática da Educação Artística. São Paulo: Cultrix, 1990.
FARIAS,Sérgio; MATOS, Lúcia. Coletâneas PPGE / Programa de Pós-Graduação em Educação – Arte e Educação. Salvador: UFBA, 1999.
CRUCIANI. Fabrício. In: BARBA, Eugênio; SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator. São Paulo, Campinas: Hicitec/Unicamp, 1995. p.26.
SILVA, Renata de Lima. Mandinga da rua: a construção do corpo cênico a partir de elementos da cultura popular urbana. Campinas, SP: [s.n.], 2004. Dissertação de Mestrado.

BIÃO, Armindo et al (org). Temas da Contemporaneidade, imaginário e teatralidade. São Paulo: Annablume: Salvador: GIPE-CIT, 2000.

CABRAL, Beatriz (org). Ensino do teatro: experiências interculturais. Florianópolis: Imprensa Universitária, 1999.

LEITE, Roberto Wagner. Ritmos e danças populares na Bahia moderna. In: Revista da Bahia: Folguedos, Nº38, ANO 2004.. Fundação Cultural da Bahia. Disponível em: http://www.fundacaocultural.ba.gov.br/04/revista%20da%20bahia/Folguedos/index.htm
Acesso em: 22/08/06.

Anexo:
Dialogando com dona Nadi
Através de uma entrevista feita com dona Nadir, tive informações sobre o drama na Comunidade do Vale do Capão. O Vale do Capão é um pequeno povoado entre as montanhas com aproximadamente mil habitantes, numa altitude de cerca de novecentos metros. As montanhas ao seu redor alcançam os 1450 m. Em 1945 passou a ser Distrito de Caeté-Açú, pertencente ao município de Palmeiras, na Chapada Diamantina no centro geográfico do estado da Bahia.
Dona Nadir é moradora da comunidade, sempre participou das manifestações culturais do Capão, foi ela quem liderou o Reisado e até hoje é ela quem coordena as festas, ela está sempre participando de eventos culturais na comunidade. Fiz uma entrevista com dona Nadir para sabermos mais sobre “O Drama”, pois considero de grande interesse essa manifestação cultural por ser da minha região e por ser tão bonita tanto para os que fazem quanto para os que assistem.
O que é o Drama?
Nadir: Os dramas são histórias cantadas, que fala sobre a vida das pessoas ou sobre enamorados, sobre enamorados é o que mais tem.
Como surgiu O Drama?
Nadir: Quem trouxe o drama para o capão foi uma professora de Feira de Santana, ela que ensinou para a gente, ela ensinava e a gente aprendia.
Há quanto tempo existe O Drama no Capão?
Nadir: O Drama existe há mais de cem anos porque a professora não ensinou para mim ela ensinou para meus pais, aí eu aprendi com eles e com meus irmãos e daí em diante eu fui ensinando.
Onde eram apresentados os Dramas?
Nadir: Os dramas eram representados nas casas das pessoas, quando tinha alguma festa e também nas escolas.
Como é que se representa um Drama?
Nadir: Você pode representar um drama sozinho ou pode ser em grupo, já vem no próprio drama quando é junto ou quando é sozinho, dá para perceber, por exemplo, tem o drama moça da varanda que precisa de três pessoas para representar que é o pai, a mãe e a filha. No drama Troca de Marido são duas senhoras.
Precisa de que para apresentar os dramas?
Nadir: precisa de um palco, alguma coisa para a gente ficar no alto e uma cortina, a cortina é muito importante, não tem como você fazer um drama sem cortina, porque assim que um termina de apresentar fecha a cortina e abre para apresentar o próximo drama.
Como é que se veste na hora de apresentar?
Nadir: a gente se veste de acordo, se for homem, procura uma calça, blusa, chapéu, cinto, se for mulher coloca uma saia e uma blusa ou um vestido.
Quantos dramas existem?
Nadir: existem muitos dramas, mais de 100, è muito drama que existe.
Alguém já registrou alguma vez os dramas?
Nadir: não, tinha um povo querendo registrar, mas acabou não registrando.
O Drama esta sendo esquecido?
Nadir: temos um grupo que não só participa senhora tem crianças também, porque que eu acho interessante que elas apreendam porque senão o drama vai se perder, não tenho problema em ensinar o drama para as pessoas o que eu não quero que ele seje esquecido, isso não! Porque é uma coisa muito bonita.
Houve alguma transformação no Drama?
Nadir: Não. Mas se precisar e o grupo concordar eu acho que pode mudar, sim, o que eu não acho certo é querer mudar sem saber por que está mudando, isso eu não concordo.
Você poderia dizer um drama?
Nadir: Sim, o do marinheiro. Sou filha de um pobre barqueiro fui criada nas ondas do mar sempre, sempre papai me dizia: vem filinha ajudar a remar, a remar. Fui crescendo e crescendo e contando as estrelas do céu a brilhar, sempre, sempre, papai me dizia: vem filinha, ajudar a remar, a remar.

Um comentário:

  1. Olá, sou filha de D. Nadir, não moro no Vale do Capão, mas sempre procuro acompanhar as apresentações de minha mãe, tenho muito orgulho dela por querer manter vivo os costumes e a cultura na qual ela foi criada.Parabéns pela materia!
    Marcia Dreger.

    ResponderExcluir