quinta-feira, 29 de julho de 2010

Cultura e Cidades

IV Ciclo de Debates sobre Políticas Culturais

Mesa-Redonda sobre Cultura e Cidades

Conselho Estadual de Cultura

Salvador, 13/8/2008

No que se refere ao tema dessa mesa, desejo tentar refletir sobre o que é que nós queremos em relação ao cidadão comum, no campo da cultura, para que possamos então identificar elementos para uma política, para um debate sobre a questão cultural, que leve em conta o que se espera realmente do cidadão. Eu chamo de cidadãos comuns todos nós, todas as pessoas que estão nas cidades, nos territórios de cultura.

O que eu proponho é que não se considere cultura a mera apreciação, o mero consumo de produtos artísticos, ou de manifestações tradicionais, mas que seja algo que seja construído no dia a dia e que inclua também o modo de ser e modo de viver.

Então o que a gente esperaria em termos de modo de ser, modo de viver das pessoas? Algo no sentido de intensificar ou reforçar atitudes referentes à cooperação, à fraternidade, à felicidade de modo geral. Algo que supere as questões referentes à violência, competitividade, egoísmo etc.

Portanto, é preciso todo um trabalho em relação aos valores que devem ser ressaltados para se chegar a uma situação de Cultura, na qual esse cidadão, essa pessoa, possa viver de um modo fraterno, cooperativo, no sentido de aumentar o grau de felicidade das pessoas de um modo geral, de pensar no coletivo. E isso se aprende.

Cabe então colocar aqui como questão a relação entre cultura e educação. Se isso se aprende, é preciso então fazermos cultura como se estivéssemos fazendo educação. Como se situa essa pessoa, esse cidadão comum, em relação a tudo que vem acontecendo em termos de políticas públicas para essa população?

Para o desenvolvimento desses valores mencionados acima, considerando que o trabalho cultural seja um trabalho educacional, precisamos não concentrar o trabalho cultural somente nos campos do pensamento, do raciocínio e da lógica, mas trabalhar também na direção do desenvolvimento das demais capacidades humanas, que são, em geral, esquecidas pelas políticas públicas de um modo geral e pela política educacional especialmente. São as sensações, os sentimentos e a intuição. O trabalho educacional em geral é concentrado no pensamento, no domínio cognitivo, o que dificulta o trabalho com esses outros domínios.

É preciso contemplar o domínio psicomotor, que envolve a dinâmica do corpo de um modo geral, não somente a pessoa sentada na cadeira, raciocinando, ouvindo, escrevendo, discutindo, mas ela fazendo alguma coisa.

O trabalho com a cultura, com a arte, mas a arte pensada em termos de componente dessa cultura, que é algo mais amplo do que somente o fazer artístico, é também fundamental no domínio afetivo, no qual se formam e se consolidam as visões de mundo.

Então, uma educação que esteja estruturada de modo a promover o desenvolvimento integral do ser, que seria esse desenvolvimento que possibilitaria uma atuação cultural mais conseqüente do cidadão comum, será um fazer cultura, não somente um consumir cultura como muitas vezes é encarado o trabalho cultural, quando se leva a cultura para o povo.

É importante apresentar coisas para as pessoas assimilarem e assistirem, mas, o trabalho precisa ser feito no sentido de integrar a teoria com a prática, quer dizer, o pensar com o fazer, quer dizer, pensar fazendo e fazendo para pensar. O trabalho cultural, portanto, precisa ser feito numa perspectiva educacional que leve ao desenvolvimento integral do ser, contemplando essas outras capacidades não somente a capacidade intelectiva, do raciocínio, da lógica, da memória.

Então, o trabalho cultural que leva ao desenvolvimento dessas capacidades é exatamente um trabalho que possibilita a articulação do fazer com o apreciar e com o contextualizar, que são os três elementos fundamentais do campo da arte educação. A relação da arte com a educação, nessa perspectiva do desenvolvimento cultural, do desenvolvimento do ser integral, do cidadão comum que está na cidade, é uma ação que está baseada nesses três elementos fundamentais, no fazer articulado com o apreciar, articulado com o domínio cognitivo, ou o contextualizar articulado com o refletir sobre a história daquele fazer, sobre os elementos contextuais que estão envolvidos nessa realização, para que daí resulte um novo tipo de comportamento que eu acredito que seja o comportamento que a gente espera, em termos culturais, das pessoas.

Espera-se um comportamento que seja propositivo, que contenha uma ação concreta de transformação, que não seja somente um estar vendo ou refletindo sobre, sem realizar nada. Então é algo que envolva o fazer e o refletir sobre o fazer, para o aperfeiçoamento desse fazer.

Nesse sentido, a política cultural, ao meu ver, deveria pensar mais nessa articulação com a educação no sentido de valorizar todas as organizações que existem. A escola é uma organização muito forte, mas não podemos nos limitar a ela em termos educacionais Há também associações, grupos culturais, pontos de cultura. Deve-se possibilitar a esses organismos, que permeiam todos os locais da cidade, a realização desse trabalho educacional na perspectiva do desenvolvimento cultural, do aperfeiçoamento dos valores que entendemos serem importantes de se realizar, de se concretizar.

Finalmente, permitam-me identificar três pontos fundamentais numa possível política de apoio a essas organizações, no sentido do desenvolvimento de uma proposta de realização cultural. Um deles é a questão do espaço físico, da possibilidade dos espaços serem disponibilizados para os grupos que possam realizar trabalhos culturais. O segundo ponto seria em termos de disponibilizar equipamentos para a realização desses trabalhos e o terceiro ponto seria o amplo acesso aos produtos culturais já existentes, o que possibilitaria a apreciação da obra cultural, o acesso ao que já vem sendo feito e já vem sendo proporcionado pela sociedade.

Penso que essa articulação da política cultural com a educação precisaria levar em conta não só a estrutura educacional oficial, a da rede escolar, mas também toda uma rede comunitária que existe, é efetiva, onde já são promovidas muitas atividades.

É importante que nesses ambientes o trabalho educacional seja feito na perspectiva do desenvolvimento cultural, melhor dizendo, do aperfeiçoamento do comportamento cultural. Essa seria a formulação mais correta, a meu ver, na qual se levasse em conta não só a arte contemporânea, mas também as questões da tradição e as questões das chamadas artes do convívio, que são as festas, os encontros, as relações informais.

Nessas instâncias pode se realizar um trabalho educacional na perspectiva de uma cultura mais orgânica, que leve a uma mudança, a um aperfeiçoamento dos valores aprendidos, no sentido do bem coletivo.

Sérgio Farias

Professor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA

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