quinta-feira, 29 de julho de 2010

A ARTE E A FORMAÇÃO DE UM TODO SIGNIFICATIVO

Sérgio Coelho Borges Farias

Professor Titular, UFBA


Resumo

As referências ao papel desempenhado pelas atividades que envolvem a expressão artística, a dinâmica corporal e a experiência estética presentes nos currículos são a base para uma composição teórica sobre a possibilidade do ser humano organizar percepções, classificando e relacionando eventos, construindo, com todas as suas capacidades , um todo significativo. Uma atenção do educador para o domínio afetivo do desenvolvimento, pode possibilitar ao estudante situar-se no processo educativo, de forma a constituir a sua própria filosofia de vida, a sua visão do universo , caracterizando-se. São atitudes e comportamentos que vão desde a percepção do que acontece no ambiente escolar, e a atenção seletiva ,até a organização de um sistema de valores. Para a educação do ser integral não se deve, portanto, restringir os componente curriculares ao domínio cognitivo, ao desenvolvimento do intelecto, visando a vitalização e o equilíbrio do ser, de maneira articulada, em todos os níveis: físico, emocional, mental e espiritual.


No ambiente educacional é comum a referência às diferenças entre as aulas de arte e as aulas “mais sérias”. À medida em que o aluno vai avançando nas séries, a escola vai gradativamente retirando dos programas o aspecto lúdico que poderia estar sempre presente no processo educativo. Com isso, as atividades que envolvem a expressão artística, a dinâmica corporal e até mesmo a experiência estética vão tomando os últimos lugares na escala de prioridades dentro dos currículos.

As atividades de artes, sejam na forma de disciplinas ou de oficinas opcionais, estão geralmente entre as outras, as que não integram o rol das matérias úteis. Na raiz dessa separação está a dicotomização dos processos de construção do conhecimento, que colocam o raciocínio e a intelecção em oposição aos sentimentos e emoções.

De certa maneira, ainda que de forma restrita e limitada, a arte já integra a educação formal, inclusive já a integrou no passado, seja através de aulas de desenho, de canto orfeônico ou de trabalhos manuais. Na década de quarenta, por exemplo, entrou em pauta a educação através da arte, que tem por base a presença da arte na educação para o desenvolvimento da sensibilidade e para a educação dos sentimentos.

O homem, que é entre os animais o único que possui a dimensão simbólica (a palavra), tem na linguagem o instrumento básico de ordenação e significação do mundo. O homem é o único ser que tem consciência de outras dimensões e outros tempos. A radical diferença entre o homem e os outros animais é a sua consciência reflexiva, simbólica.

O homem imprime sentido a suas ações, e à sua sobrevivência, o que não tem a ver só com a manutenção biológica da vida mas também com o significado do sentido da vida. O homem é capaz de construir valores, sonhos, ideais. Assim, compõe a sua vida exercendo as suas múltiplas capacidades: razão, sentimento, sensação e intuição.

A Escola, retirando praticamente dos seus programas as atividades lúdicas, entre elas as artísticas, descuida da educação estética, privilegia a razão e limita o ato de construção do conhecimento a uma racionalização intelectualista. O homem , na Escola, deixa de lançar mão de suas outras capacidades ao desenvolver o seu domínio da linguagem, ao realizar experiências, nomeando-as e comparando-as com outras vivências anteriores. Dessa forma, com a supervalorização da razão, compromete a sua evolução estética. E a evolução estética não se refere apenas à arte. Refere-se basicamente a uma integração do pensamento, do sentimento, da percepção e da intuição.

Entretanto, o mecanismo de construção do conhecimento é um jogo dialético entre o que é sentido/vivido e o que é simbolizado. Garantir um lugar para a arte no processo educativo, partindo do que o educando já conhece e do que para ele é relevante, é um modo de ampliar as possibilidades de formação de um ser capaz de organizar percepções, classificando e relacionando eventos, construindo, com todas as suas capacidades , um todo significativo.

Dessa forma, uma educação que contempla os sentimentos, as sensações e a intuição, tanto quanto a razão , levando em conta o imaginário, os desejos e os sonhos dos educandos, uma educação que supere as tradicionais fronteiras estabelecidas entre as disciplinas, é o caminho, possível, criado pelos arte-educadores para a formação da cidadania, com a participação de todos os envolvidos como sujeitos da história.

Uma atenção do educador para o domínio afetivo do desenvolvimento, pode possibilitar ao estudante situar-se no processo educativo, de forma a constituir a sua própria filosofia de vida, a sua visão do universo , caracterizando-se. São atitudes e comportamentos que vão desde a percepção do que acontece no ambiente escolar, e a atenção seletiva ,até a organização de um sistema de valores.

A educação do ser integral não pode, portanto, se restringir ao domínio cognitivo, não pode se limitar ao desenvolvimento do intelecto. Deve visar a vitalização e o equilíbrio do ser, de maneira articulada, em todos os níveis: físico, emocional, mental e espiritual.

No nível físico, é fundamental a consciência do que resulta ou não resulta em bem-estar. Nesse nível, cuida-se também da produtividade . Procura-se desenvolver aptidões e capacidades de agir corporalmente, transformando o ambiente, para a produção de coisas úteis. Nesse processo, é importante manter o equilíbrio dos elementos da natureza, devendo o homem evitar agredir os outros seres. A movimentação corporal em forma estética, como a dança, ou de cultura física, como a ginástica e os esportes, deve fazer parte de uma educação integral, holística. Infelizmente, até mesmo em algumas áreas da arte-educação, as atividades corporais são praticamente esquecidas.

No nível emocional trabalha-se os sentimentos, no intuito de se garantir a motivação e o entusiasmo para a vivência criativa. Os exercícios de sensibilização promovem o auto-conhecimento e fortalecem as bases emocionais necessárias à interação social. A arte-educação promove a experiência estética, criando um campo para o exercício das emoções, sejam elas as primárias, como amor, raiva, alegria, tristeza, nojo ou medo, ou as derivadas (resultantes de combinações dessas seis emoções primárias), como a piedade, a vergonha, a saudade, entre outras.

No nível mental residem a imaginação, a criatividade, os conteúdos lógicos e objetivos, e até a antevisão de resultados. Todos esses elementos são fundamentais no processo de construção do conhecimento, especialmente do conhecimento científico. No processo de criação artística, o nível mental também se faz presente, desempenhando importante papel, pois, quando se cria, costuma-se também pensar no para que se está criando. A obra de arte tem papel de mediação nos atos comunicativos em sociedade, e mesmo que não possua um significado em si (evita-se explicar ou traduzir uma obra de arte) ela produz significados a partir da interação de saberes quando é exposta, quando é colocada num meio público, social, ou mesmo quando é vista/percebida/apreciada por um indivíduo momentaneamente isolado. Isso acontece quando, através dos diversos mecanismos de percepção, o indivíduo (receptor e agente de produção de conhecimento) estimula, de maneira articulada, sua memória e sua imaginação para produzir significados e elaborar conceitos.

O chamado nível espiritual vai sendo composto e aperfeiçoado ao longo de toda a vida e é visto, por vezes, como um campo insondável, inexplicável, divino, sobrenatural ou surreal. Seja qual for a sua nomeação, trata-se de um nível que é em geral afastado ou esquecido, na educação, quem sabe por ser mais centrado nos sentimentos e na intuição, e acaba ficando para ser cultivado pelos grupamentos religiosos. Comumente, nos sistemas educativos, busca-se a explicação dos fatos, das ações ,e até das manifestações de natureza emocional e das expressões artísticas.

Desenvolvendo-se nos quatro níveis, de maneira articulada, buscando competências de ponta e dando um tratamento integrador aos conhecimentos construídos, o sujeito vai definindo e aperfeiçoando sua relação com o todo. Assim, (re)descobre seu papel em cada instituição, em cada tribo a que está vinculado. Em sintonia com seu tempo, apontando alternativas que engrandescem seu ser, o sujeito se faz na história, como agente e, assim, educa-se, e torna-se feliz.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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READ, Herbert. A educação pela arte. São Paulo: Martins Fontes, 1982.
SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem, numa série de cartas. S. Paulo: Iluminuras, 1990.

Um comentário:

  1. titulo verdadeiro:A ARTE E A FORMAÇÃO DE UM TODO SIGNIFICATIVO NA EDUCAÇÃO

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