quinta-feira, 29 de julho de 2010

Identificação Cultural na prática educativa com Teatro

Sergio Coelho Borges Farias

Universidade Federal da Bahia

scbfar@ufba.br

Uma vez no teatro, experimentando emoções e o prazer estético, o publico é comparsa de uma aventura que reúne diversos elementos artísticos, uma aventura que acontece somente ali, tem a duração do espetáculo e jamais será reproduzida.

A presença do artista naquele instante e a impossibilidade de se repetir mecanicamente o ato, compõem o fascínio que o teatro exerce há milênios e que a larga utilização de recursos eletrônicos na comunicação de massa, como a do video, por exemplo, não consegue apagar. Por maior que seja a quantidade de signos de que se utilize o ator, nunca deixaremos de ver nele um ser vivo.

Além disso, o espectador sabe que, no teatro, além da diversão, ele também encontra informações que poderão fazê-lo crescer culturalmente. O teatro ainda tem a fama de ser uma casa do saber, um guardião do patrimônio artístico de várias culturas. Esse fascínio exercido pelo teatro contribui para que ele possa ser também um instrumento eficaz de educação (inclusive política), sem deixar de proporcionar o “autêntico prazer estético”.

Além de aparecer como elemento artístico e como meio de expressão em si mesma, a teatralidade aparece ao longo da história como recurso instrumental para afirmação de ideologia, disseminação de valores morais e fundamentos religiosos, promoção de figuras políticas, contestação de Regimes, e até como componente de método terapêutico.

Mas a produtividade do teatro inclui também o ato de conhecer e de se emocionar. O riso, o choro, o susto, o enlevo, marcam o processo de identificação cultural que resulta da relação entre ator e espectador, mediados pelo encenador, de preferência em sintonia com a totalidade histórica.

Nesse processo, o espectador é também um criador, um fazedor de cultura. É isso que fundamenta o caráter educativo do teatro, independente do conteúdo abordado. A mensagem veiculada pelos atores através das palavras, movimentos e recursos técnicos, é decodificada pelo espectador com base em sua história de vida, sua visão de mundo e seu estado emocional naquele momento. Cada espectador elabora seu próprio e particular espetáculo.

Esse cuidado com o resultado da ação teatral junto ao espectador é uma preocupação que deve estar sempre presente entre os artistas que desenvolvem experiências de arte-educação. A análise da recepção da obra de arte (espetáculo) pelo educando, é fundamental para se firmar o teatro-educação como forma de ensino que transpõe as barreiras da sala de aula, e para se compor uma metodologia dinâmica e socializadora.

A atitude de sair dos muros da escola através da mobilização de estudantes para assistirem espetáculos no teatro, bem como a apresentação de trabalhos teatrais nas escolas, deve ser articulada com o próprio fazer teatral, com a prática artística das oficinas.

A arte proporciona à humanidade a construção de um outro saber, que não é estritamente intelectual e que se refere à interioridade de cada ser.

Entre os anos vinte e quarenta do Século XX, as idéias de Lowenfeld no campo internacional e de Augusto Rodrigues no campo nacional, deram base às experiências de Arte-Educação, com ênfase na livre expressão, influência de Movimentos como o Modernismo, e resposta ao excesso de rigidez no ensino de arte da época.

A partir da década de sessenta os educadores procuraram superar o esvaziamento de conteúdo no ensino de arte provocado pelo laissez-faire. Um verdadeiro movimento de Arte-Educação se firma na década de setenta, disseminando experiências as mais diversas por todo o Brasil. As experiências indicam, como percurso possível e desejável, a articulação entre a arte, a apreciação da obra de arte e o conhecimento da história do fazer artístico e do contexto em que a arte é produzida.

A consideração da arte como forma de conhecimento, não como mero recurso auxiliar de matérias de maior prestígio, aponta para o cuidado com a invenção, a inovação e a comunicação de idéias, no curso do próprio processo educativo.

Para se realizar uma educação criadora que leve à experiência estética a ao exercício de reflexão e da crítica, é preciso desenvolver ações que estimulem também a capacidade de análise e síntese. E isso pode se dar através das múltiplas abordagens metodológicas da apreciação artística, associada ao fazer artístico.

A arte como conteúdo, na Escola, deve ser vivida como uma forma específica (diferente, daquela que trabalha a palavra, por exemplo) para interpretar e recriar o mundo, recompor permanentemente a realidade e desvelar o imaginário.

Recepção e Apreciação

Assim como as matérias de maior prestígio, a Arte tem uma história, e um domínio. Constitui-se numa área de estudos específicos. Nessa área, a Arte-Educação coloca-se como campo epistemológico, incluindo as investigações sobre os modos de se aprender arte, dentro e fora das escolas.

Verifica-se que, nas escolas, raramente o aluno é colocado em relação com obras de arte para que desenvolva sua capacidade de apreciação crítica e sensível. O ensino de arte, quando existe, é centrado em aulas expositivas ou em leitura de textos teóricos, chegando, algumas vezes, ao fazer artístico com características de instrumento de liberação e socialização.

A carga horária semanal, de uma ou duas horas, e as salas repletas com até 50 alunos, tornam a Educação Artística nas escolas algo próximo do non-sense, algo como uma piada de mau gosto. A criação de Oficinas, em turno complementar àquele em que o aluno cursa as demais matérias, aparece como alternativa para se realizar um trabalho de sensibilização ou de formação artística mais consistente.

Vemo-nos colocados diante do desafio de, atuando com professores de outras disciplinas, inserir nos currículos a apreciação da obra-de-arte (no caso, o espetáculo teatral), no sentido de firmar o teatro-educação como forma de ensino que transpõe as barreiras da sala-de-aula e propõe uma metodologia dinâmica e socializadora.

Desenvolver sensibilidade e criatividade através da compreensão da arte é uma das características da Arte-Educação, que também leva à formação de conceitos e ao desenvolvimento da habilidade motora.

Para alguns professores, arte significa intuição, emoção, espontaneidade. Eles acabam difundindo a idéia de que arte-educadores não precisam pensar, refletir, questionar. Para eles “arte é só fazer” descuidando da observação e compreensão da obra.

A metodologia a ser utilizada para a leitura de uma obra de arte pode variar de acordo com o conhecimento já adquirido pelo professor, assumindo caráter estético, semiológico, iconológico, etc. Entretanto, é preciso cuidado para não se restringir a leitura de uma obra de arte ao ato de responder a um questionário, o que fatalmente significa a condensação de significados da obra e limita a imaginação do aluno.

Com a leitura da obra produzida por outro artista, buscamos preparar o aluno para também ler as imagens, sons e ações que o cercam no dia a dia. A idéia é criar com os alunos uma metalinguagem da ação observada, é levá-los a falar o espetáculo num outro discurso, que pode ser silencioso, gráfico, ou até mesmo verbal-analítico ou sintético.

A educação estética, parte integrante da vivência em arte, diretamente ligada à educação intelectual, deve contribuir para o desenvolvimento do interesse cognoscitivo do aluno, e de sua percepção e capacidade de observação.

Nas articulações do processo artístico, os espectadores (assim como os produtores/artistas) são pessoas situadas num mesmo tempo/espaço sociocultural, que se relacionam com produtos artísticos, com artistas, com a arte, em diferentes modos de saber estético e artístico, culturalmente apreendidos e constituídos como co-autorias vivas.

O conceito de fazer arte está, sem dúvida, baseado na construção. É esse processo de construção, ao mesmo tempo cognitivo e emocional, mediado pelas matrizes culturais formadoras do ser criativo, que resulta no que chamamos de identificação cultural.

Articulando-se a tradição e a memória cultural, a história de vida e a visão de mundo do sujeito, com os elementos da contemporaneidade que permeiam nosso cotidiano, na arte-educação, podemos formatar um processo educativo voltado para a afirmação da cidadania.

Portanto, para a construção da identificação cultural, é preciso considerar que o espectador não é mero receptor de informações e mensagens, mas figura viva dentro de todo processo interativo, como é o teatro.

FIM

Um comentário:

  1. Boa tarde professor Sérgio, tive esta tarde a oportunidade de conhecer um pouco de suas pesquisas, fiquei encantada com a forma que trabalha o teatro dentro do contexto cultural, seus textos irão me auxiliar muito em meu TCC.Estou finalizando o curso superior em Licenciatura em Artes Cênicas pelo IFTO-Gurupi, minhas pesquisas estão sendo desenvolvidas em um Quilombo. São poucas as publicações tratando do teatro Cultural na prática educativa que envolvem comunidades quilombolas. E seus textos me deram um leque de possibilidades para o material que já tenho coletado. Fica aqui o meu muito obrigada. Att. Elizângela

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