quinta-feira, 29 de julho de 2010

O EDUCADOR COMO PROFISSIONAL DA CENA EDUCATIVA: BASES CURRICULARES.

Sergio Coelho Borges Farias

Universidade Federal da Bahia

scbfar@gmail.com

Resumo

Reflexão sobre os componentes curriculares que devem compor a formação do educador, no sentido de colocá-lo em sintonia com o ritmo da sociedade contemporânea, na condição de agente promotor de conhecimentos, habilidades e atitudes. Trata-se de uma proposta de bases curriculares que contemplem elementos ligados à sensibilidade e ao domínio afetivo da educação.

Além do conhecimento dos conteúdos pertinentes à matéria que leciona, o que seria básico na formação do educador, ou professor, ou docente, ou motivador, ou animador, ou mediador educacional?

Seja qual for o termo para sua designação, o importante, certamente, é o que o profissional faz, para que o faz e como o faz. Vamos adotar aqui o termo educador.

Gostaria inicialmente de chamar a atenção para o fato de que um educador, no exercício de sua função está em cena e age com base num roteiro pré-elaborado, mesmo que não tenha sido escrito, e tem espectadores mais ou menos ativos, que interagem com ele, mesmo que seja mantendo-se em silêncio.

O professor em cena utiliza, na maior parte do tempo, a comunicação verbal, mas também o gesto, o som produzido com seu corpo (hum hum...) os recursos audiovisuais, os arranjos espaciais (cenário). Trata-se, portanto, a aula, de uma espécie de encenação com certo grau de improvisação. Esse grau depende do quanto esteja pronto, aquilo que deve ser aprendido. É bom lembrar que nem tudo se aprende fazendo. Uma tocha humana, por exemplo.

Além do aprendizado do que não se deve fazer, a aprendizagem vicária (aquela que é fruto da experiência de outrem) nos permite perceber que existem patrimônios, materiais e imateriais, da humanidade, que devem ser transmitidos, para que se decida, em seguida, se devem mantidos ou descartados.

Feitas essas observações iniciais, gostaria de dar início ao exercício, compartilhado com vocês hoje, de pensar o que deve compor necessariamente um currículo de formação de educadores, além do conteúdo específico da matéria a ser lecionada.

De início é preciso que o educador perceba que, quando ele planeja, ele é um selecionador de estímulos, desde a sua simples presença em sala durante um trabalho de grupo, até a solicitação direta de um trabalho de pesquisa na biblioteca. A relação dialógica não implica em neutralidade e as contingências reforçadoras para a busca de comportamentos indicadores de progressão no campo intelectual devem ser positivas e não punitivas.

No planejamento didático deve-se atentar para a progressão gradual, aumentando-se gradativamente o nível de complexidade dos temas abordados. Esse planejamento deve contemplar todas as capacidades do ser humano, não somente a razão, como é costume acontecer nas escolas. As sensações, os sentimentos e a intuição devem ser também trabalhados no processo de construção do conhecimento. É combinando razão com as outras três capacidades citadas acima que o ser humano faz ciência, filosofia, religião e arte. Para isso o corpo deve estar presente integralmente, e a arte é um componente curricular privilegiado, ao lado da Educação Física, para se promover isso. No ensino desses componentes o corpo geralmente desprende-se da carteira, e isso já é um grande passo.

A avaliação deve ser contínua e formativa, com o estudante sendo estimulado a organizar seus estudos e progredir no que se refere às aprendizagens programadas. O programa deve uma proposta, e deve ser compartilhado com todos os envolvidos, no início do curso.

A pesquisa deve integrar sempre o processo educativo, com seu grau de formalização sendo introduzido gradativamente ao longo das séries. Desde a utilização de várias fontes bibliográficas na redação de um texto, ou a solicitação de uma lista de perguntas como base motivadora para a posterior exposição de um tema, até a realização de uma pesquisa formal, ao nível de cada estágio de aprendizagem.

No desenho espacial dos procedimentos didáticos as técnicas participativas contribuem significativamente para as aprendizagens, pois contemplam o falar e o fazer, além da escuta e do pensamento. A aproximação do estudante do universo do tema e a relação do tema com a vida cotidiana do estudante ocorrem com maior freqüência durante a aplicação dessas técnicas participativas.

Não existe processo sem produto, e vice-versa, e, além disso, as suas qualidades são interdependentes. No caso da Arte na Educação, por exemplo, a apresentação pública dos produtos, com a divulgação adequada, é importante, já que o artista aprende bastante na relação com o espectador.

As diferenças e as diversidades devem ser consideradas, o que não implica necessariamente em aceitação. O certo e o errado vão sendo construídos, de acordo com os referenciais dos participantes e com o contexto em que os fenômenos ocorrem. Nesse âmbito aparecem as reflexões e discussões acerca das tensões entre singularidade e universalidade. Há quem defenda, por exemplo, que a reafirmação do particular, ou do singular, é fundamental para a universalização de uma manifestação cultural. Existem muitas questões envolvendo o processo de globalização, que implica ao mesmo tempo em maior visibilidade e maior risco de homogeneização das manifestações culturais.

Uma habilidade a ser desenvolvida pelo educador é a de ter jogo de cintura para atuar com as condições disponíveis: as turmas são formadas com número excessivo de estudantes, o que impede uma atenção específica de acordo com o desempenho de cada um; as salas não são equipadas de modo a caber corpos soltos e expressivos; os horários destinados aos componentes curriculares que envolvem esse tipo de trabalho são bastante limitados ou inexistentes em algumas instituições; no caso do teatro, por exemplo, a carência dos recursos materiais e financeiros para elementos visuais da cena implicam em utilização de material reciclável e contribuições dos participantes; a indisposição de diretores e até de colegas com certos componentes curriculares requer um preparo teórico para argumentação nas reuniões e eventos, já que o lugar desses componentes no currículo muitas vezes precisa ser conquistado.

A resolução de problemas referentes a espaço, a salário, a autonomia, a capacitação, a atualização e a valorização profissional depende de vontade política, que em muitos casos depende de mobilização dos interessados. A omissão, a redução do grau de exigência no ensino dos conteúdos importantes e a aprovação indiscriminada para as séries seguintes só beneficia os interessados em que a educação seja de má qualidade e que os estudantes não se desenvolvam intelectualmente.

Finalmente, caberia chamar atenção de que, nessa época, ou nesse tempo, de grande quantidade de informações disponíveis, fruto dos avanços da tecnologia aplicada à comunicação, em que a vida parece correr à nossa frente, cada vez mais acelerada, é preciso pelo menos tentar dizer as coisas de maneira objetiva e sintética abrindo janelas que sirvam a quem se dispuser a aprofundar algum tema.

A educação ocorre em todos os espaços da sociedade e durante toda a vida do sujeito. Aprender é produzir conhecimento, adquirir habilidades e formar atitudes. Muita coisa se aprende fora da escola. A escuta sensível deve sempre estar presente nos processos educativos, assim como o diálogo, o que não quer dizer que não haja coisas importantes a serem transmitidas.

A vida é composta por descobertas, as relações humanas são complexas e compreender os fenômenos da natureza é produzir conhecimento a cada momento. As coisas e os fatos ganham significado na nossa relação com eles. Eles são compreendidos de acordo com referências, as mais diversas.

Os conhecimentos não devem permanecer dissociados o tempo todo, em categorias ou áreas, como se não tivessem relações entre si. É preciso desenvolver a habilidade de transitar entre as áreas. Isso é feito porque, no processo de construção do conhecimento aprendemos a discriminar (identificando as diferenças) e a generalizar (identificando as semelhanças) de maneira articulada.

Organizar esses processos é tarefa de um profissional da Educação. Ouvir, expressar-se e conceder a palavra são ações fundamentais para o crescimento intelectual de todos os envolvidos nos processos educativos. O desenho espacial dos ambientes educativos também é determinante na atuação do profissional que se dedica à educação dialógica. Um espaço programado para uma pessoa falar e as outras ouvirem tem um desenho diferente daquele que possibilita a expressão comprometida e o trabalho conjunto.

Desvalorizar a profissão do educador com baixos salários, com falta de condições de trabalho, é característico de todas as sociedades organizadas em bases de dominação. Não interessa a quem está no poder que a maioria da população desenvolva-se intelectualmente. O educador que, ao mesmo tempo em que luta por melhorias, não se dedica ao aperfeiçoamento do seu trabalho, faz o jogo do dominador.

Trata-se de uma profissão de grande valor para todas as sociedades. Ela pode promover tanto a acomodação e a subserviência quanto uma tomada de consciência seguida de ações transformadoras. Isso tem a ver com a história de vida e a visão de mundo do sujeito que se educa.

A formação do ser social resulta dos conhecimentos e das habilidades que o mesmo integra ao seu repertório, mas também de um conjunto de atitudes referentes ao domínio afetivo, que começam pela atenção ao que está sendo proposto e pela resposta a cada estímulo, passam pela capacidade de valorização das idéias e pela organização de um sistema de valores, para chegar à caracterização do sujeito, que exercita a cidadania com sua visão de mundo e sua filosofia de vida, que se percebe como ser social agente construtor e transformador da realidade.

Ao preparar este texto resolvi deixar para dizer no final algo que considero ser muito importante nos dias de hoje, que correm de maneira acelerada, repletos de fragmentos, de colagens de idéias. Precisamos incluir no currículo de formação de educadores a necessidade do exercício da síntese, da objetividade. Experimentar, por exemplo, usar dez minutos para dizer aquilo que usualmente duraria cerca de 30 minutos. Será que já consigo?

A meu ver são esses componentes curriculares num processo de formação de educadores que devem dar suporte aos roteiros dramáticos das encenações que levam à produção de conhecimento.

Bibliografia (Sugestões de leitura)

AGUIAR, Roberto A . R. de. Os filhos da flecha do tempo. Brasília: Letraviva, 2000.

DUARTE JR., João-Francisco. O sentido dos sentidos. A educação (do) sensível. Curitiba: Criar Edições, 2001.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

MAFFESOLI, Michel. A contemplação do mundo. Porto Alegre: Artes & Ofícios, 1995.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de Identidade. Uma introdução às teorias de currículo. B. Horizonte: Autêntica, 1999.

SPOLIN, Viola. O jogo teatral no livro do diretor. S. Paulo: Perspectiva, 2001

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