quinta-feira, 29 de julho de 2010

Arte, Educação e Conhecimento

Sérgio Coelho Borges Farias

A primeira questão em relação à Arte e ao Conhecimento me remete à organização do conhecimento no ambiente educacional e de pesquisa brasileiros. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) tem uma tabela de oito grandes áreas de conhecimento. Essas grandes áreas são subdivididas em outras áreas e, essas outras áreas são subdividas em sub-áreas, com cerca de 1400 itens.

A primeira grande área é a das Ciências Exatas, considerada uma das mais difíceis porque engloba Matemática, Astronomia, Física e Química, seguidas pelas Engenharias, depois Geologia e Agronomia e, na seqüência, a área da Saúde, Biologia e depois Medicina. Em seguida é a vez das Ciências Humanas que, durante um bom tempo, buscaram equipará-la às áreas anteriores pelo caráter mais científico. Na seqüência vêm as Ciências Sociais aplicadas, que seriam as Ciências Sociais pensadas para resolver problemas mais objetivos e técnicos da sociedade como Administração e Educação. E, finalmente, temos Lingüística, Letras e Artes, que envolvem a questão da linguagem, da fala, da palavra, da expressão.

A Lingüística, no seu modo mais científico e palpável, é onde se pode "comprovar" mais as coisas. Letras inclui a Língua, as normatizações. sintaxes, gramáticas e, enfim, as Artes. É o campo mais solto, o mais liberado, e é por isso que gostamos de fazer, porque é mais light, bem mais flexível, bem mais volátil, e pouco preciso. A Arte já é área de conhecimento e na nossa sociedade se considera que saber arte tem o mesmo grau de importância do saber de outras áreas. Eu brinco dizendo que a Arte está lá no fim porque é a síntese de tudo. É como se os demais conhecimentos estivessem com o sujeito e eles vão sendo trabalhados de uma maneira integral pelo ser e aparecendo como expressão na Arte. Apesar de, nessa ordenação das áreas de conhecimento, a Arte estar no final, ela é um campo do saber como a Geografia, o Direito, as Engenharias. Para um pesquisador, um produtor de conhecimento, para um profissional que realiza ações nesse campo, existe um espaço na sociedade. Evidentemente que podemos enfrentar algumas discriminações e valorações inadequadas por parte de algumas pessoas, mas, em termos oficiais, a Arte já se apresenta como área de conhecimento. E, como área


de conhecimento, é resultante de um processo de aprendizagem.

O que seria então essa aprendizagem? Ela é vista pelas pessoas que se dedicam a essa área no campo da Psicologia, como resultante de dois processos articulados: discriminação e generalização. Por exemplo: você diante de uma obra de arte é capaz de localizar a área, a corrente, ou a escola do artista que produziu aquela obra. É capaz de identificar que pertence ao Romantismo, por causa de determinadas características. Desse modo, foi possível discriminar que difere da arte gótica, do expressionismo, etc. Somos capazes também de localizar obras que têm características semelhantes e concluir que fazem parte do mesmo período.

Todo o processo de conhecimento está baseado nisso: apreender e aprender determinados saberes ou características, a partir das sensações e dos órgãos dos sentidos. Você é capaz também de caracterizar e discriminar cada coisa que você vê, ou identificar as pessoas que fazem parte de uma mesma família, ou até mesmo perceber que existem outras famílias. Assim, a idéia que você tem de "família" passa a ser generalizada para a sociedade. Esse é o processo de formação do saber e da aprendizagem.

A segunda questão é a do reforço: a tendência é repetir comportamentos que são reforçados positivamente depois que nós o emitimos. Se você visita alguém e não é bem recebido, por exemplo, evita ir lá novamente. Mas se você encontra amigos e se diverte, passa a querer fazer isso mais vezes - aí passa a buscar essas situações. O bem estar que vem depois da emissão de um comportamento, de uma atividade que você realiza, é importante na formação do repertório de coisas que você vai aprendendo e vai agregando ao seu modo de vida.

Um terceiro item importante para compreendermos a aprendizagem é a questão da progressão. Ao depararmos com um objeto estimulante ou intrigante, você sabe que quer aprender alguma coisa nova e que, em alguns momentos, são necessários certos pré-requisitos. Com isso, para aprendermos a manipular determinada máquina complexa, algo ligado à Informática, por exemplo, é necessário passar por um período de aprendizagem gradual, na qual passamos a reunir conhecimento e os articulamos para atingir aquele determinado estágio solicitado a você, como desafio.

No que se refere à aprendizagem de conteúdo, pensando a Arte como fonte de saber e área de conhecimento, é possível observar que, ao longo da história, o homem foi compartimentando essas áreas de conhecimento, por isso existem cerca de 1400 relação do CNPQ, fora as especialidades, campos mais específicos ou interdisciplinares que não fazem parte dessa relação. Ao longo da História, ocorreu uma fragmentação do saber. Com o aumento da, complexidade, um grande número de informações foi sendo acumulado pela sociedade e pelo homem ao longo dos milênios. Esse conhecimento se tornou então muito grande e passou a ser fragmentado, assim como as capacidades humanas. Surgiu então uma divisão rígida em disciplinas, que hoje procuramos superar. Dessa forma, aprendemos a definir que há coisas que fazem parte do campo racional e outras do campo sentimental, ou da intuição, ou da sensação.

Essas capacidades sendo utilizadas pelo ser humano, numa maior ou numa menor intensidade, resultam em formas de saber. O que conseguimos sistematizar ate agora é que as formas do saber são basicamente quatro, que se articulam e se complementam. Uma delas seria a Ciência: para produzir conhecimento através do modo científico você utiliza muito as sensações e a razão. A partir das sensações você obtém dados objetivos e quantitativos acerca daquilo que você está estudando, e com a razão você raciocina e utiliza a lógica a partir daqueles dados para tirar conclusões. O procedimento de quantificação, comparação, e medição, é o mais ligado à ciência.

Uma outra maneira de se produzir conhecimento é por meio da Filosofia: um tipo de pensamento onde entra muita razão e intuição. Pela intuição, as idéias surgem, mas você não tem uma explicação. Já no campo da razão, sim, e isso tem a ver com sua vivência, história de vida, e até com o inconsciente coletivo.

Uma terceira área é a da Espiritualidade ou da Religiosidade onde são muito usados o sentimento e a


intuição. Por ser uma área muito importante da produção do saber, as religiões estão sempre ocupando um espaço destacado nas sociedades, uma vez que existe um grande número de coisas não compreendidas. O lado da razão, da Ciência, não consegue nos acomodar por que não consegue explicar certas coisas como, por exemplo, a grande e ontológica questão "cie onde viemos e para onde vamos". Atribuímos isso a seres superiores a nós - Deuses e santos -, que, por pressuposto, compreendem melhor e têm a possibilidade da criação dos seres e das coisas. Essa é uma área da produção do conhecimento que está baseada muito na questão da intuição e do sentimento. Pode-se verificar que todas as religiões pregam isso. Fazer bem ao próximo, ser solidário, praticar o amor, e ainda existem códigos para combater certas emoções que não são recomendáveis, como o ódio, a raiva e o medo. A Religiosidade está muito presente na nossa sociedade com um papel muito importante.

Finalmente, temos a quarta área de produção do conhecimento: a Arte. Não é Ciência, não é Filosofia, não é Religião, é alguma coisa singular. É uma forma de expressão do sentimento, é educação da sensibilidade, arte é uma maneira de ser. Existe uma certa dificuldade para uma definição mais precisa.

O que se busca atualmente com o "fazer artístico" e com o trabalho de educação feito com arte é exatamente a reintegração e a valorização das capacidades que são normalmente esquecidas no processo educacional. É de conhecimento de todos que os sistemas de ensino supervalorizam a razão em detrimento das outras capacidades. As sensações, os sentimentos e a intuição não são totalmente desconsiderados, mas também não são muito bem-vístos, e são, em grande parte, deixados de lado e, algumas vezes, até reprimidos. O importante é o saber, a lógica e o raciocínio. Essa configuração das áreas de conhecimento na qual a arte está situada é uma configuração que reúne o saber de natureza cientifica, filosófica, religiosa e artística. É aí que a arte está situada.

Alguns estudos no campo das Neurociências indicam que existem partes do cérebro que desenvolvem mais certas capacidades, mais voltadas para determinadas habilidades e outras partes voltadas para outras capacidades. Pensa-se até numa questão de hemisférios cerebrais: o direito estaria mais voltado para as questões da arte, da religião e da sensibilidade e o esquerdo da lógica, do raciocínio, do mental etc. É como se um lado de alguma forma dissesse "gosto não se discute". A outra área do hemisfério esquerdo afirma que "gosto se discute sim" por ser a área da Ciência e Filosofia. Existe também a Lógica, a comprovação, a medição e a articulação dos elementos que são identificados a partir de uma análise e que possibilitam uma conclusão de natureza mais científica.

A vivência da arte como fonte de aprendizagem é garantida, tendo como resultado um produto artístico, na medida em que se aprenda fazendo. Aprender arte por meio apenas da linguagem e da palavra, envolvendo a questão da lógica, da articulação e dos símbolos é algo muito parcial. Não que a parte da habilidade mental deva ser eliminada. No fazer artístico as capacidades do ser humano estão presentes, são articuladas e acontecem todas ao mesmo tempo, variando o grau de intensidade. Portanto, o aprender fazendo é uma característica da produção do conhecimento em Arte.

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